02
Mai 16
publicado por Alexandre Burmester, às 16:17link do post | comentar | ver comentários (1)

 

 

Paul-Manafort-777x437.jpg

 

Desde as mais recentes vitórias de Donald Trump - as obtidas em seis primárias no Nordeste - que se vem notando uma atmosfera de resignação, de alto a baixo, no Partido Republicano. O fervor anti-Trump de semanas anteriores parece estar a abater, e uma espécie de realismo, também em nome da unidade do partido, começa a fazer-se sentir.

 

Efectivamente, a até agora escassa lista de apoiantes de Donald Trump entre a elite republicana, embora continue magra, tem tido a adição de alguns membros da Câmara dos Representantes, a qual, ao que consta, poderá vir a aumentar no caso de uma vitória do magnata novaiorquino na primária de amanhã no Indiana. E na crucial luta pelos delegados em caso de convenção aberta - uma a que nenhum candidato chega com a maioria dos delegados - alguns dos que pareciam firmes no campo de Ted Cruz, parecem estar  agora a oscilar.

 

A invulgar indecisão da campanha das primárias - há 40 anos que não há uma convenção aberta - estará já a saturar muita gente no G.O.P., e muitos, mesmo sem particular entusiasmo pelo homem que lidera a corrida, parecem estar a coalescer em torno dele, basicamente porque desejam evitar uma convenção caótica que poderia afectar seriamente a unidade do partido para as eleições de Novembro. E isto, mesmo perante a possibilidade de uma nomeação de Trump poder não só significar uma derrota pesada, como colocar em risco a maioria republicana no Senado, cerca de um terço do qual será renovado em Novembro, sendo a maioria dos lugares em disputa actualmente detida por republicanos, muitos deles eleitos na onda anti-Obama de 2010 (os mandatos no Senado são de seis anos).

 

Recentemente, Trump tem adoptado uma postura mais moderada, do ponto de vista retórico e em comparação com os seus anteriores padrões, e até apresentou a sua visão sobre política externa a convite do Center for the National Interest (CFTNI), o antigo Nixon Center, um think-tank criado por Richard Nixon e Henry Kissinger em defesa do "realismo" em política externa, em contraste com os intuitos mais belicistas dos neoconservadores. Ou seja, parte do establishment, mesmo estando longe de estar convencido das qualidades de Trump e das suas possibilidades eleitorais em Novembro, parece estar a adoptar uma atitude apenas realista perante ele. Diga-se, contudo, que a diferença de Trump para Hillary Clinton, num hipotético confronto entre os dois em Novembro, tem vindo a cair, havendo até sondagens recentes que os colocam praticamente lado a lado, uma das quais apurou haver mais democratas dispostos a votarem em Trump, que republicanos em Clinton.

 

Por trás do "novo Trump" e dos seus ganhos entre o establishment está o dedo do seu mais recente guru, Paul Manafort , um homem que, positivamente, não brinca em serviço, e que será talvez a única pessoa capaz de fazer eleger o magnata. Entre os seus clientes contaram-se Mobutu Sese Seko, Ferdinand Marcos, Teodoro Obiang e Viktor Yanukovych, não propriamente uma galeria de democratas, mas um símbolo da atracção exercida pelas artes mágicas de Manafort. Mais prosaicamente, Gearld Ford, Ronald Reagan, ambos os Bush e John McCain também recorreram aos seus serviços.

 

Outro factor importante nesta aparente aquiescência do establishment republicano, ou de parte dele, em torno de Trump é a alternativa: Ted Cruz. É que, de facto, para muitos membros do tão decantado establishment, trata-se de um caso de "venha o diabo e escolha", pois o senador texano é uma figura que colhe a quase unanimidade em termos de (im)popularidade nesse meio, nomeadamente entre os seus colegas do Senado, altamente críticos das suas tácticas naquela assembleia. Além disso, Cruz é a personificação do político apoiado pelo Tea Party, uma entidade que conta nas suas características uma feroz oposição ao status quo de Washington. Isso, contudo, também lhe garante uma vasta rede de operacionais no terreno, para os quais o purismo ideológico conservador transcende a unidade do partido e Donald Trump é um verdadeiro anátema.

 

O próximo combate, no Indiana, será decisivo para Cruz. Os últimos números das sondagens são pouco propícios às suas aspirações, mesmo depois do seu acordo com John Kasich e da sua escolha de Carly Fiorina para "running mate". A partir de 4ª feira, Trump poderá tornar-se mesmo "inevitável". E daí...

 

 


28
Abr 16
publicado por Alexandre Burmester, às 16:33link do post | comentar

fiorina.jpg

 

No domingo passado, as campanhas de Ted Cruz e John Kasich anunciaram uma espécie de acordo com especial incidência na primária do Indiana no próximo dia 3 (o acordo também se estende ao Novo México e ao Oregon, mas a atribuição proporcional de delegados nesses dois estados torna-o menos importante aí). Essa súbita aliança foi por muitos interpretada como sinal de desespero das duas campanhas nos seus esforços em barrarem o caminho a Donald Trump.

 

Entretanto, tiveram lugar cinco primárias em estados do Nordeste, todas ganhas por Trump com larga vantagem. Nada de imprevisível sucedeu nessas eleições, mas a "narrativa" é sempre influenciada pelos resultados eleitorais, com a tendência e tentação dos media em utilizarem adjectivos como "inevitável", "imparável", etc., para descreverem a campanha do vencedor.

 

E ontem, num comício em Indianapolis, Cruz sacou, digamos assim, um coelho da cartola: numa acção sem precedentes a esta distância da convenção, especialmente para um candidato que não lidera a corrida, anunciou Carly Fiorina como sua escolha para candidata a Vice-Presidente, no caso de ser ele o nomeado republicano.

 

É fácil classificar esta iniciativa como "desesperada" (o que não quer dizer que o não seja, claro), mas será mais interessante tentar analizar-se o que Fiorina poderá trazer ou não à campanha de Cruz. Foi CEO da Hewlett-Packard (com um desempenho sobre o sofrível, segundo muitas opiniões), candidata derrotada ao Senado pela Califórnia em 2010 (estamos, contudo, a falar de um estado cada vez mais dominado pelos democratas) e foi um dos inúmeros candidatos republicanos no início das primárias deste ano. Nos debates, deixou boa impressão e foi um dos primeiros republicanos a atacarem Trump seriamente (também tinha sido uma das primeiras vítimas da língua viperina do bilionário novaiorquino, diga-se). Debate bem, tem uma visão positiva das coisas e é conservadora. Mas, tirando uns breves instantes depois dos primeiros debates em que participou, a sua popularidade nunca foi grande, e acabou por desistir depois de um desempenho fraco no New Hampshire. Em Março declarou o seu apoio a Ted Cruz, e desde então tem feito campanha pelo senador do Texas. E, claro, é mulher e é da Califórnia, e isso decerto terá pesado na decisão de Cruz, embora o peso de Fiorina no eleitorado californiana seja duvidoso.

 

Não creio que esta escolha possa ter algum peso importante na primária do Indiana, mas é possível que, apesar de tudo, algum venha a ter na da Califórnia, a 7 de Junho. Além disso, se Cruz for o nomeado republicano, Fiorina poderá ser útil na campanha contra Hillary Clinton, que poderá atacar sem correr o risco de imediatamente receber como resposta o epíteto de "sexista".

 

Richard Nixon, um homem que sabia muito destas coisas, disse um dia que um candidato vice-presidencial pouco pode favorecer uma candidatura presidencial, mas em contrapartida, pode prejudicá-la grandemente. Não me parece que Fiorina possa vir a cair na segunda categoria, mas quanto à primeira, estou com Nixon. Mas, essencialmente, a oportunidade da sua escolha tem em vista o que resta das primárias e a luta pela nomeação.


04
Fev 15
publicado por Alexandre Burmester, às 23:02link do post | comentar

 

Scott_Walker_primary_victory_2010.jpg

 

Como já aqui referi, e como parece evidente para a esmagadora maioria dos observadores, a corrida a seguir em 2016 será a republicana e não a democrática. Nesta última, Hillary Clinton deverá conseguir, com maior ou menor dificuldade, a nomeação, não se vislumbrando uma surpresa como a que, em 2008, a privou da candidatura democrática, contra todos os vaticínios dos "entendidos", note-se (entre eles os "tudólogos" portugueses, que já quase a aclamavam como presidente - não confundir com "presidenta", vocábulo mais comum no Atlântico Sul - ainda nem as primárias tinham tido início).

 

Do lado republicano, porém, a corrida promete ser muito competitiva. Ao contrário da "sabedoria convencional", a actual divisão e crispação entre os sectores mais "irredutíveis" do partido - a ala Tea Party/Direita Religiosa (duas coisas que por vezes se sobrepõem, mas que não são sinónimos, note-se) - e o "Establishment" do partido não constituem novidade alguma. Já em 1952, por exemplo, Dwight Eisenhower teve de enfrentar nas primárias o Senador Robert Taft, "Mr Republican", a voz do "partido profundo", sendo o general o candidato do "Establishment", e em 1964 o "partido profundo", na pessoa do Senador Barry Goldwater, prevaleceu sobre o "Establishment", personificado pelo Governador do Estado de Nova Iorque, Nelson Rockefeller. Digamos que, da II Guerra Mundial para cá, talvez o único candidato republicano que conseguia falar simultaneamente pelos, e para, os dois sectores do partido tenha sido Richard Nixon (e nessa sua capacidade uns viam a sua duplicidade inata, outros a sua argúcia política).

 

Mas voltemos à campanha que se avizinha. Claramente, há já um candidato preferido do "Establishment", o ex-Governador da Florida Jeb Bush, cujo apelido o atrapalha mais do que o ajuda, diga-se. Com o recente anúncio de Mitt Romney de que, definitivamente, não tentará uma terceira campanha presidencial, Bush tornou-se o favorito do "Establishment", embora, nesse sector, não possa descurar a personagem do Governador de New Jersey, Chris Christie. No campo oposto, perfilam-se, entre outros, o "invulgar" Senador Rand Paul - mais libertário que conservador - e o seu colega no Capitólio Ted Cruz. 

 

O "Establishment" prefere uma figura previsível, de preferência com experiência executiva - e daí a sua simpatia por Bush e Christie - e, acima de tudo, elegível; a ala Tea Party/Direita Religiosa prefere alguém com perfil "anti-Establishment", "anti-Washington" e que defenda os valores sociais e económicos conservadores.

 

Mas, no meio desta polaridade, surge um homem que pode, sem grande esforço, fazer a ponte entre as duas facções. Falo do Governador do Wisconsin, Scott Walker. Trata-se de um homem duas vezes eleito governador de um estado tendencialmente democrático - a úlima vez que o candidato presidencial republicano aí venceu foi em 1984 - e que, pelo meio, ainda teve de enfrentar uma "recall election", uma espécie de referendo a meio do mandato, que também venceu. Tornou-se popular à direita pela sua oposição bem sucedida aos sindicatos do sector público, pela sua rejeição do "Affordable Care Act", mais conhecido por "Obamacare", e pela sua posição contra o aborto, e,  para o mais pragmático Establishment, é um competente executivo que sabe equilibrar orçamentos, criar empregos e vencer eleições em terreno adverso.

 

A verdade é que, neste momento, Scott Walker lidera as sondagens no Iowa - onde tem lugar o primeiro escrutínio das primárias - a que não será estranho o facto de esse estado ser vizinho do Wisconsin. Mas, mais surpreendentemente, a mais recente sondagem no New Hampshire - palco da primeira primária propriamente dita - dá-lhe vantagem sobre Bush. 

 

Como todos os restantes presumíveis candidatos de ambos os partidos, Scott Walker ainda não é oficialmente candidato, mas o ímpeto parece irresistível. E, a esta distância, arriscar-me-ia a dizer que a grande luta entre os republicanos será entre ele e Jeb Bush.

 

 


09
Jan 13
publicado por Nuno Gouveia, às 21:52link do post | comentar | ver comentários (4)

 

O Alexandre já destacou aqui Richard Nixon, dividindo o seu legado em duas facetas: o político, que ficou com má fama, e o estadista, onde alcançou grandes feitos. Gostaria de me debruçar especificamente sobre a longa carreira política de Nixon, que começou em 1946 e terminou apenas em 1974, após a sua demissão com Watergate. Um percurso repleto de vitórias e derrotas, que o colocam como o verdadeiro "político" americano do pós guerra, tendo apenas paralelo num outro político de excepção da sua época, Lyndon Johnson, também ele extremamente hábil na arte, se assim lhe podemos chamar, da política. 

 

Depois de ter estado na Marinha durante a II Guerra Mundial, Nixon foi eleito congressista pela Califórnia em 1946, tendo chegado a Washington como um feroz anti-comunista, imagem essa que lhe foi imensamente útil durante toda a sua carreira política. A fama chegou passado dois anos, quando se destacou na comissão de actividades anti-americanas, contribuindo decisivamente para denunciar o célebre caso de Alger Hiss, um alto funcionário do Departamento de Estado da Era Roosevelt, que na época foi acusado de ser um espião soviético. Apesar de Hiss ter sido condenado por perjúrio, já neste século diversos investigadores concluíram que de facto tinha sido um espião ao serviço da URSS. Nixon, após ter ganho notoriedade nacional, rapidamente começa a pensar em destronar o senador democrata da Califórnia Sheridan Downey, sendo que este nem chegou a ir a votos em 1950. Já no Senado, Nixon continua a fortalecer a sua imagem anti-comunista, criticando a condução da guerra da Coreia pelo Presidente Truman e mantendo também relações cordiais com o famoso senador do Wisconsin Joseph McCarthy, sem no entanto envolver-se muito com as suas actividades. Ao mesmo tempo, Nixon votou a favor de leis que apoiavam os direitos civis das minorias. Quando o Partido Republicano nomeou o general e herói de guerra, Dwight Eisenhower, os party bosses do GOP (na época fundamentais nas nomeações dos partidos) optaram por indicar Richard Nixon, um jovem senador de 39 anos do grande estado da Califórnia, e com impecáveis credenciais anti-comunistas. Foi uma forma de satisfazer a base conservadora do Partido, depois da nomeação de Eisenhower. Nessa campanha presidencial, Nixon teve a seu cargo a os ataques e críticas aos democratas, lançando as bases para o papel actualmente destinado aos candidatos a VP: o de attack dog. Nixon aproveitou os seus oito anos de Vice Presidente para reforçar a sua experiência internacional, viajando por todo o mundo e conhecendo líderes diversos países, e envolvendo-se em episódios como aquele fantástico debate da cozinha que o Alexandre referiu

 

 

 


publicado por Nuno Gouveia, às 11:40link do post | comentar

Richard Nixon nasceu a 9 de Janeiro de 1913. Congressista, Senador, Vice-presidente e Presidente. Personalidade única do século XX, nos Estados Unidos e no mundo. Hoje que se assinala os 100 anos do seu nascimento, iremos publicar aqui alguns destaques à sua vida. 


22
Out 12
publicado por Alexandre Burmester, às 20:43link do post | comentar | ver comentários (1)

 

 

 

A "Surpresa de Outubro" ("October Surprise") é um suposto estratagema eleitoral utilizado especialmente - mas não só - em anos renhidos, normalmente pelo partido que ocupa a Casa Branca. As duas mais famosas de que me lembro foram o anúncio da suspensão dos bombardeamentos ao Vietname do Norte por parte do Presidente Lyndon Johnson a poucos dias das eleições de 1968, o que quase, de novo, custava a eleição a Richard Nixon (que enfrentava o Vice-Presidente Hubert Humphrey), e a proclamação de Henry Kissinger, em 1972 - numa altura, diga-se, em que a reeleição de Richard Nixon estava mais que garantida - de que a paz (no Vietname) estava ao virar da esquina ("Peace is at hand").

 

Pois bem, há já especulação sobre se este ano assistiremos a nove passe de magia do mesmo estilo, e o comentador conservador e antigo conselheiro de Bill Clinton, Dick Morris, pensa que sim. Sugere Morris que o Presidente Obama poderá anunciar antes das eleições um acordo com o Irão, mediante o qual aquele país poria em prática uma moratória no enriquecimento de urânio, em troca do levantamento de algumas das sanções internacionais em vigor contra si.

 

Em 1968, Richard Nixon manobrou nos bastidores depois do anúncio da "October Surprise", e conseguiu que o Presidente do Vietname do Sul, Nguyen Van Thieu, rejeitasse os termos negociais propostos por Johnson, o que, em parte, retirou potência àquele truque de última hora. Este ano, a verificar-se este anúncio, só resta a Mitt Romney questionar o cinismo e oportunismo de tal manobra e fazer o eleitorado reflectir acerca das razões que levariam os "ayatollahs" a negociar apressadamente com Barack Obama antes das eleições.

 

 

 

foto: o Presidente Lyndon Johnson 


14
Ago 12
publicado por Alexandre Burmester, às 22:45link do post | comentar | ver comentários (2)

"Miami and the Siege of Chicago" é o título de um "romance não-ficcional" do grande romancista, jornalista e polemista americano Norman Mailer (1923-2007).

 

Agora que se aproxima a época das convenções partidárias americanas, parece-me interessante e revelador revisitar 1968, porventura o ano mais turbulento da política americana desde 1945. E foi sobre as convenções desse ano que Mailer se debruçou ao escrever esta sua notável obra, no estilo "New Journalism", na qual mistura a sua argúcia, o seu partidarismo ideológico, a sua imaginação e o seu enorme talento de escritor.

 

"Miami", porque foi naquela cidade da Flórida que o Partido Republicano se juntou para escolher o seu candidato; "Chicago", porque foi o local da homóloga assembleia democrática (quanto ao "cerco", já lá irei).

 

O Chicago Tribune resumiu bem o valor de "Miami and the Siege of Chicago" nestas linhas:

 

 

 "Don't skim...if you dash your way through 'Miami and the Siege of Chicago,' Mailer's masterful account of the upheaval that occurred 40 years ago when Republicans and Democrats met in those two cities, there to select their presidential nominees, you'll miss a lot. First published in 1968, and reissued earlier this month by New York Review Books, Mailer's report glows with descriptions of the people and the places whose permanent identities were forged in the hot furnace of that tragic, fateful year. To understand 1968, you must read Mailer..." 

 

 

O ano de 1968 foi particularmente trágico e agitado, de facto. Além das cada vez mais veementes manifestações contra a Guerra do Vietname ("hey, hey, LBJ, how many kids did you kill today?"), ocorreram os assassínios de Robert Kennedy, um dos principais candidatos democráticos - o Presidente Lyndon Johnson retirara-se da corrida depois de uma mal-sucedida primária de New Hampshire - e do Rev. Martin Luther King, este último tendo dado origem a motins em mais de 100 cidades.

 

 

Mailer era um liberal - no sentido americano - um homem de esquerda, portanto. Como tal, não deixa de ser curiosa a apreciação que acaba por revelar por Richard Nixon, um homem seis anos antes "condenado" ao esquecimento pela generalidade dos comentadores políticos, após a sua dupla derrota nas presidenciais de 1960 e na eleição para Governador da Califórnia em 1962, após a qual declarara retirar-se da política, depois de um agreste ataque aos jornalistas. No fundo, Mailer apreciava a personalidade de Nixon, ao mesmo tempo que o detestava politicamente. Traça umas linhas pouco abonatórias acerca do favorito à nomeação republicana no início da convenção de Miami, mas, ao ver as suas atraentes filhas, de 22 e 20 anos, desabafa para com os seus botões - e os seus leitores: "Um homem com duas filhas tão bonitas não pode ser assim tão mau!"

 

 

 

 

 

 1968 foi também o último ano em que as máquinas partidárias - particularmente a democrática - tiveram decisiva influência na escolha do respectivo candidato. Já havia eleições primárias, claro, mas nem todos os estados as organizavam, pelo que uma boa parte dos delegados às convenções tinham de ser "convencidos" na própria convenção.

 

Richard Nixon chegara à convenção de Miami com um bom "farnel" de delegados, adquiridos em primárias. Dados os seus mais recentes fracassos eleitorais, após um fulgurante início de carreira, sabia que tinha de provar aos eleitores republicanos que era novamente capaz de ganhar eleições. Ocupava uma posição charneira no leque dos candidatos do G.O.P.: à sua esquerda o Governador do Estado de Nova Iorque Nelson Rockefeller, e à sua direita o Governador da Califórnia Ronald Reagan. Com o seu profundo instinto político - Nixon dispensava "estrategas": era o seu próprio "Karl Rove" - e colhendo os benefícios das suas incansáveis campanhas por inúmeros candidatos republicanos em 1964 e 1966, incluindo pelo candidato presidencial republicano de 1964, Barry Goldwater, homem com quem pouco simpatizava política e pessoalmente - acabou por vencer a nomeação no primeiro escrutínio, o que era fundamental, pois após esse escrutínio, se não houver uma maioria para um candidato, os delegados ficam desobrigados.

 

Para a História, aqui ficam os resultados:

 

Nixon: 692 votos; Rockefeller 277; Reagan 182. Houve ainda votos para oito outros candidatos, entre os quais o Governador do Michigan George Romney, pai de Mitt Romney, que angariou 50 votos. "Tricky Dick" ganhara de novo.

 

Mas Miami é a parte mais plácida do "romance" de Mailer. Em Chicago, nesse ano, convergiram todas as frustrações políticas do radicalismo americano. Por um lado, era o Partido Democrático que ocupava a Casa Branca, por outro, aquele é o partido das causas "progressistas" e, como tal, a esquerda mais radical sentia-se por ele particularmente traída. Além da Guerra do Vietname, havia os ventos do Maio de '68 em Paris, e todo um "caldo de cultura" prestes a estourar. A "revolta" das universidades americanas aprestava-se a desembarcar em Chicago.

 

Devo aqui fazer um breve parêntesis para mencionar um facto que exacerbara as tensões "de rua" na convenção democrática: o Vice-Presidente Hubert Humphrey era o claro favorito à nomeação, sem ter disputado uma primária que fosse. Por outro lado, o Senador Eugene McCarthy ("the good Senator McCarthy", em contraste com o falecido Senador Joe McCarthy, o homem da "caça às bruxas" dos anos '50) tinha um bom pecúlio eleitoral em matéria de primárias, e era o candidato anti-guerra. Acrescia ainda a candidatura do Senador George McGovern, também ele um candidato anti-guerra, de que se ouviria falar de novo quatro anos mais tarde.

 

 

 

 

Perante este cenário surgia a figura do famoso Mayor de Chicago, Richard Daley, cuja influência na "mobilização" - digamos assim - do eleitorado democrático fora fulcral na decisiva vitória de John Kennedy no Illinois na renhidíssima eleição de 1960 (que causara um rancor inesgotável no já de si rancoroso Richard Nixon). Daley jurara que a sua cidade não seria tomada pelos milhares de manifestantes que se anunciavam. Pois bem, aqui Norman Mailer entra no seu melhor. É impiedoso em relação a Humphrey - no fundo, sentia-se traído por um "dos seus" - mergulha "na rua", e chega a ser detido pela polícia. Na referida "rua" travam-se autênticas batalhas campais entre os manifestantes e a polícia de Chicago, auxiliada pela Guarda Nacional do Illinois. O gás lacrimogénio lançado pela polícia chega a afectar o desamparado Hubert Humphrey no seu quarto de hotel.

 

Entretanto, no pavilhão da convenção, as coisas não estavam muito mais calmas que na rua. O famoso Dan Rather, na altura repórter da CBS, foi agredido pela polícia no pavilhão, e quando o Senador Abraham Ribicoff utilizou o seu discurso de apoio a McGovern para falar do que se passava nas ruas, dizendo que, com McGovern, tais tácticas "de Gestapo" não teriam lugar, Richard Daley exclamou do seu lugar: "“F... you, you Jew son of a bitch! You lousy motherfucker! Go home!”

 

Tudo isto Mailer cobre com um entusiasmo e um talento notáveis, prendendo o leitor ao livro (umas 200 páginas) de princípio ao fim. 

 

Poucos dias depois do "Cerco de Chicago", Richard Nixon, velha raposa, fez uma digressão e um comício na cidade, defendendo "a lei e a ordem". Desta vez, nem a "capacidade mobilizadora" de Richard Daley o impediria de ganhar o Illinois.

 

 

 

 

Fotos: em cima: a família Nixon a caminho da Casa Branca; ao meio: o Vice-Presidente Hubert Humphrey.

 

 

 

 


04
Jun 12
publicado por Alexandre Burmester, às 17:23link do post | comentar | ver comentários (2)

 

 

Desolado e frustrado com os resultados das eleições "mid-term" de 1966, nas quais os republicanos tinham conseguido ganhos de monta em ambas as câmaras do Congresso, o Presidente Lyndon Johnson apodou a principal estrela republicana dessa campanha, o antigo Vice-Presidente Richard Nixon, de "chronic campaigner". E tinha uma certa razão: de facto, com uma carreira política que, na altura, já levava 20 anos, Richard Nixon parecia incapaz de se abster de uma campanha, mesmo que lhe não dissesse directamente respeito.

 

Que dizer então de Bill Clinton, um homem que parece incapaz de parar e realizar que o seu tempo de "político de campanha" já deveria ter terminado? Em 1966, Richard Nixon ainda tinha uma carreira política pela frente, mas, em 2012, Bill Clinton já teria normalmente assumido o papel de "elder satesman" que os antigos presidentes normalmente assumem (ver o contraste com os seus "colegas" ainda vivos, os dois Bush e Jimmy Carter). E, de facto, ainda há poucos dias se viu este ex-presidente a fazer campanha no Wisconsin pelo candidato democrático a Governador daquele estado Tom Barrett. Esta postura de Clinton pode granjear-lhe grandes simpatias nos meios democráticos, coisa de que, de facto, já não precisa, mas retira-lhe a tal aura de "elder statesman".  

 

 

 

Admito que o outro "chronic campaigner", Richard Nixon, se não tivesse tido de enfrentar a  travessia do deserto pós-Watergate, também se teria dedicado a mais umas campanhas após sair da Casa Branca. Mas, em vez disso, dedicou-se à escrita e ao cultivo da sua imagem de especialista em relações externas (ao todo, escreveu 11 livros, contando com "Six Crises", escrito ainda antes de ser presidente).

 

Penso que Bill Clinton teria um muito maior contributo a dar à politica americana se se decidisse a assumir o papel de "elder statesman", em vez de continuar a aparecer aos olhos do público essencialmente como uma figura partidária.

 

 

 

Fotos: Ao alto, retrato oficial do Presidente Clinton; a meio, Richard Nixon, "chronic campaigner"... em campanha. 


28
Dez 11
publicado por Alexandre Burmester, às 11:00link do post | comentar

 

 

Não é inédito haver presidentes dos E.U.A. com dotes musicais. Bill Clinton presenteou o público em determinada ocasião com um fantástico "show" de saxofone. Harry Truman era um pianista competente (e Richard Nixon manda-lhe uma indirecta antes de se dirigir para o piano no "video clip" deste artigo). Mas Richard Nixon, uma das personagens mais fascinantes da política americana do pós-guerra, foi ainda mais longe: não só tocava piano, como até compunha, como podemos ouvir nesta peça, o seu "Concerto nº1".

 

O"video clip" que aqui apresento é de uma edição do famoso "Jack Paar Program", de Março de 1963. Nixon tinha sido derrotado quatro meses antes na eleição para Governador da Califórnia, após a sua derrota nas presidenciais de 1960, e anunciara na altura o fim da sua carreira política, numa conferência de imprensa que fez história. Neste mesmo programa, Jack Paar perguntou-lhe: "Kennedy pode ser derrotado em 1964?". E Nixon, numa referência ao facto de Robert Kennedy, irmão do Presidente, ser também membro da Administração, respondeu com humor: "Qual deles?"


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