24
Mai 10
publicado por Era uma vez na América, às 13:12link do post | comentar

No legislative act, therefore, contrary to the Constitution, can be valid.

Alexander Hamilton, Federalist paper nº 78

 

Uma das imagens mais marcantes do sistema judicial americano é o recurso ao Supremo Tribunal. Por ano, uma média de 75 a 100 casos são ouvidos, escolhidos de entre mais de 7000 pedidos. Cada vez mais, os cidadãos americanos recorrem ao Supremo Tribunal, reclamando da inconstitucionalidade de uma lei ou decisão. Não foi sempre assim: o poder judicial encontra-se consagrado no terceiro artigo da Constituição do EUA, que estabelece um Supremo Tribunal e um número não-estabelecido de tribunais inferiores, sendo definidos os casos de justiça a ser presentes ao tribunal federal. Não estabelece o controlo da constitucionalidade, apesar de este ter sido amplamente discutido no período pré-constitucional. Muito simplesmente, para alguns Pais Fundadores, isso era levar a inovação institucional longe demais.

 

No entanto, em 1803, na vigência do terceiro Presidente, Thomas Jefferson, o Supremo Tribunal, pela mão do juiz John Marshall, afirmou o princípio do controlo judicial da constitucionalidade, elemento crucial para a estabilidade e fortalecimento da União. Marshall consagrou o papel político do Tribunal, ao mesmo tempo que confirmava a unidade do novo país (o célebre pluribus in unum, unidade na diversidade). Qualquer lei contrária à constituição deve ser declarada inválida, posto que a constituição é a norma suprema, à qual todo o ordenamento jurídico se submete. Foi esta a decisão do Supremo Tribunal no célebre caso Marbury v. Madison, julgado em 1803, e que fixou a judicial review.

 

O caso explica-se em poucas palavras. John Adams, o segundo Presidente dos Estados Unidos, decidiu, nas últimas horas do seu mandato, nomear uma série de federalistas para o cargo de juiz federal (vitalício, entenda-se). A ideia do Presidente era manter os tribunais federais sob uma égide federalista, que o Presidente recém-eleito, Jefferson, não partilhava. Um dos nomeados, Marbury, não recebeu a decisão dentro das poucas horas de final de mandato. Assim, James Madison, novo Secretário de Estado, entendeu que esta nomeação não deveria ser confirmada. Marbury apelou ao Supremo, pedindo que este obrigasse o novo Presidente Jefferson a confirmá-lo. Perdeu o caso, mas ficou para a história.

 

Na decisão, John Marshall afirmava o princípio da constitucionalidade das leis. Reconhecia a superioridade da Constituição sobre todas as normas, e que nenhuma lei deveria ser contrária à Constituição, sob pena de ser anulada por qualquer tribunal. Ou seja, reconhecia os limites do poder político, sujeito também ele à Constituição. Nascia assim a justiça constitucional americana, num modelo que viria a influenciar grande parte das democracias liberais. Basta pensar na capacidade que os nossos tribunais portugueses têm de controlo concreto da constitucionalidade.

 

Ana Margarida Craveiro [Doutoranda no ICS, blogger no "Delito de Opinião" e "31 da Armada"]


04
Mai 10
publicado por Era uma vez na América, às 20:12link do post | comentar | ver comentários (6)

O "Era uma vez na América" convidou-me para escrever um post, o que agradeço. Escolhi como tema a questão do "anti-americanismo" vs. "anti-bushismo".

Como se lembrarão, nos distantes tempos da presidência de G.W. Bush, uma discussão corrente na Europa (ou pelo menos, em Portugal) era uns (grosso modo, "a esquerda") a dizerem "nós não somos anti-americanos, somos é contra o Bush" e outros (essencialmente, "a direita") a responderam "É anti-americanismo; quando vier um novo presidente, ao fim de 6 meses estão também a dizer mal dele".

Eu, à época, até escrevi um post dizendo que não era anti-americano e que até admirava muitas coisas nos EUA ( a abertura aos imigrantes, a contracultura dos anos 60, os referendos frequentes, John Brown, Henry David Thoreau, Ralph Nader, Noam Chomsky, Wright Mills, Abbie HoffmanEdward Abbey, os mártires de Chicago, os IWW, etc.).

De qualquer forma, a atitude face a Obama parece indicar que afinal era mesmo só "anti-bushismo" - nomeadamente no aspecto que mais se criticava a Bush (a política externa e de "segurança nacional"), Obama tem seguido essencialmente o mesmo curso e continua intocável pela opinião pública/publicada europeia; e, embora se fale menos disso, também parece haver um endeusamento da sua política interna - já ouvi referirem-se a ele como tendo tido "a coragem de enfrentar as companhias de seguros de saúde" (obrigando os norte-americanos a serem clientes dessas seguradoras...).

Mas será que era mesmo só "anti-bushismo"? Penso que não - havia mesmo muito anti-americanismo (mesmo nos tempos do Clinton a poítica internacional dos EUA era muito mal vista em certos meios); eu tenho é uma teoria - paradoxalmente, Bush pode ter contribuido para reduzir o anti-americanismo no mundo (e sobretudo na Europa)!

Creio que havia um ritual entre os antigos hebreus de escolherem um bode (o bode expiatório), fazerem umas magias que transferiam os seus pecados para ele, e depois expulsavam o bicharoco (ou jogavam-no para um penhasco, ou coisa parecida), livrando-se assim dos seus pecados . Penso que aconteceu algo parecido com Bush: a sua imagem (real ou fabricada) correspondia tanto ao estereótipo que os europeus (sobretudo a “intectualidade”) têm dos americanos (segundo a qual eles serão "ignorantes", "brigões" e "texanos com chapéu de cowboy") que todo o sentimento anti-americano mantido durante décadas se concentrou nele em particular.

E, quando Bush se foi embora, o anti-americanismo foi com ele.


Miguel Madeira (blogger do Vento Sueste e Vias de Facto)


13
Abr 10
publicado por Era uma vez na América, às 14:42link do post | comentar | ver comentários (1)

A possibilidade de uma vitória republicana nas eleições para o Congresso dos Estados Unidos em Novembro, pelo menos na Câmara dos Representantes, tem feito surgir comparações com 1994, ano em que o G.O.P. pela primeira vez conquistou a câmara baixa desde o longínquo ano de 1952, e mesmo aí à “boleia” da vitória presidencial do General Eisenhower. A essa conquista o G.O.P. juntou também em 1994 a do Senado.


O paralelo tem realmente alguma lógica, devido ao factor comum de, tanto em 1994 como agora, na Casa Branca estar um democrata a atravessar uma fase de menor popularidade, não devendo no entanto subestimar-se uma diferença essencial entre Bill Clinton e Barack Obama: o primeiro nunca fora até essas eleições propriamente muito popular, tendo até sido eleito com apenas 43% dos votos  - devido essencialmente à presença de um candidato independente na corrida, Ross Perot, sem o qual, contudo, Clinton provavelmente nunca teria ganho essa eleição a George H.W. Bush. Mas as semelhanças não são menosprezáveis: se agora há a Reforma da Saúde, em 1994 houve uma Lei Criminal que causou grande “rombo” eleitoral aos democratas, mormente entre os eleitores independentes do Sul ,e medidas que cá seriam designadas de “fracturantes”, como a admissão de gays nas forças armadas. Os democratas, contudo, atribuem ao insucesso do “Hillarycare” – a frustrada reforma da saúde na primeira metade do primeiro mandato de Bill Clinton, sob a batuta de sua mulher – o principal motivo da sua derrocada em 1994, e contrastam esse insucesso com a vitória legislativa que agora conseguiram. Têm alguma razão, porque essa vitória ocasionou já um revigorar das suas bases, como pode verificar-se nas sondagens, em que o índice negativo de popularidade do Presidente diminuiu.


Em termos de números frios a situação é esta: em 1994 os republicanos conquistaram 9 lugares no Senado e 52 na Câmara dos Representantes.  Desta vez precisam de conquistar 10 lugares no Senado e 40 na Câmara. Ou seja, nem precisam de ter um desempenho tão forte como em 1994 para reconquistarem a Câmara. O Senado é claramente um “long-shot” mas, ao contrário do que sucede na Câmara dos Representantes, a maior parte da legislação carece aí, na prática, de 60 votos para ser aprovada, pelo que a conquista de apenas 5 ou 6 lugares pelos republicanos seria já por si suficientemente limitativa das iniciativas legislativas democráticas (actualmente os republicanos têm 41 lugares no Senado, o que já retira a maioria de 60 aos democratas, mas há que não esquecer que os parlamentares americanos gozam de uma total liberdade de voto e usam-na com frequência).


Mas há um outro possível paralelo entre as duas eleições, e que já tem sido alvo de várias especulações. Em 1994 Bill Clinton parecia condenado a ser um presidente de um só mandato. O GOP parecia imparável, e a única questão parecia ser quem seria o seu candidato em 1996. Que fez então Bill Clinton? Pois nem mais nem menos que ir pescar em águas inimigas, trazendo como seu conselheiro para a Casa Branca o consultor republicano Dick Morris, que aliás já o servira enquanto Governador do Arkansas. Morris inventou o que viria a ser conhecido por “triangulação” e que consistia na adopção pelo Presidente de várias políticas republicanas, combinando-as com algumas políticas democráticas populares e com uma retórica conciliatória. Governando praticamente em tandem com a nova maioria no Senado, Clinton equilibrou o orçamento e reformou a Segurança Social e seria confortavelmente reeleito em 1996 (mas de novo com menos de 50% dos votos, devido a nova presença do incansável Perot). A questão é pois se Obama, caso se confirme pelo menos a conquista da Câmara dos Representantes pelos republicanos em Novembro, poderá ensaiar um golpe táctico semelhante ao de Clinton. Pessoalmente tenho muitas dúvidas: Obama parece ser um político muito mais ideológico que Clinton, um homem pragmático (os cínicos, contudo, achavam que só o poder lhe interessava e em vez de pragmático chamavam-lhe oportunista). Francamente acho difícil vê-lo abraçar políticas caras ao eleitorado conservador e, em alguns casos, mesmo ao eleitorado moderado.  Em caso de derrota em Novembro, Obama ficará com as mãos atadas em termos legislativos e renovará os seus ataques àquele a que gosta de chamar “the party of «No»”, baseando aí a sua tentativa de reeleição. E um partido obstrucionista no Congresso desagrada também aos eleitores.  Quanto a Dick Morris, voltou ao seu lugar natural: actualmente é um dos mais ferozes críticos de Obama nos media.

 

Alexandre Burmester

 

Iniciamos esta semana um novo espaço com posts de convidados do blogue. Em breve teremos mais novidades.


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