14
Ago 12
publicado por Alexandre Burmester, às 22:45link do post | comentar | ver comentários (2)

"Miami and the Siege of Chicago" é o título de um "romance não-ficcional" do grande romancista, jornalista e polemista americano Norman Mailer (1923-2007).

 

Agora que se aproxima a época das convenções partidárias americanas, parece-me interessante e revelador revisitar 1968, porventura o ano mais turbulento da política americana desde 1945. E foi sobre as convenções desse ano que Mailer se debruçou ao escrever esta sua notável obra, no estilo "New Journalism", na qual mistura a sua argúcia, o seu partidarismo ideológico, a sua imaginação e o seu enorme talento de escritor.

 

"Miami", porque foi naquela cidade da Flórida que o Partido Republicano se juntou para escolher o seu candidato; "Chicago", porque foi o local da homóloga assembleia democrática (quanto ao "cerco", já lá irei).

 

O Chicago Tribune resumiu bem o valor de "Miami and the Siege of Chicago" nestas linhas:

 

 

 "Don't skim...if you dash your way through 'Miami and the Siege of Chicago,' Mailer's masterful account of the upheaval that occurred 40 years ago when Republicans and Democrats met in those two cities, there to select their presidential nominees, you'll miss a lot. First published in 1968, and reissued earlier this month by New York Review Books, Mailer's report glows with descriptions of the people and the places whose permanent identities were forged in the hot furnace of that tragic, fateful year. To understand 1968, you must read Mailer..." 

 

 

O ano de 1968 foi particularmente trágico e agitado, de facto. Além das cada vez mais veementes manifestações contra a Guerra do Vietname ("hey, hey, LBJ, how many kids did you kill today?"), ocorreram os assassínios de Robert Kennedy, um dos principais candidatos democráticos - o Presidente Lyndon Johnson retirara-se da corrida depois de uma mal-sucedida primária de New Hampshire - e do Rev. Martin Luther King, este último tendo dado origem a motins em mais de 100 cidades.

 

 

Mailer era um liberal - no sentido americano - um homem de esquerda, portanto. Como tal, não deixa de ser curiosa a apreciação que acaba por revelar por Richard Nixon, um homem seis anos antes "condenado" ao esquecimento pela generalidade dos comentadores políticos, após a sua dupla derrota nas presidenciais de 1960 e na eleição para Governador da Califórnia em 1962, após a qual declarara retirar-se da política, depois de um agreste ataque aos jornalistas. No fundo, Mailer apreciava a personalidade de Nixon, ao mesmo tempo que o detestava politicamente. Traça umas linhas pouco abonatórias acerca do favorito à nomeação republicana no início da convenção de Miami, mas, ao ver as suas atraentes filhas, de 22 e 20 anos, desabafa para com os seus botões - e os seus leitores: "Um homem com duas filhas tão bonitas não pode ser assim tão mau!"

 

 

 

 

 

 1968 foi também o último ano em que as máquinas partidárias - particularmente a democrática - tiveram decisiva influência na escolha do respectivo candidato. Já havia eleições primárias, claro, mas nem todos os estados as organizavam, pelo que uma boa parte dos delegados às convenções tinham de ser "convencidos" na própria convenção.

 

Richard Nixon chegara à convenção de Miami com um bom "farnel" de delegados, adquiridos em primárias. Dados os seus mais recentes fracassos eleitorais, após um fulgurante início de carreira, sabia que tinha de provar aos eleitores republicanos que era novamente capaz de ganhar eleições. Ocupava uma posição charneira no leque dos candidatos do G.O.P.: à sua esquerda o Governador do Estado de Nova Iorque Nelson Rockefeller, e à sua direita o Governador da Califórnia Ronald Reagan. Com o seu profundo instinto político - Nixon dispensava "estrategas": era o seu próprio "Karl Rove" - e colhendo os benefícios das suas incansáveis campanhas por inúmeros candidatos republicanos em 1964 e 1966, incluindo pelo candidato presidencial republicano de 1964, Barry Goldwater, homem com quem pouco simpatizava política e pessoalmente - acabou por vencer a nomeação no primeiro escrutínio, o que era fundamental, pois após esse escrutínio, se não houver uma maioria para um candidato, os delegados ficam desobrigados.

 

Para a História, aqui ficam os resultados:

 

Nixon: 692 votos; Rockefeller 277; Reagan 182. Houve ainda votos para oito outros candidatos, entre os quais o Governador do Michigan George Romney, pai de Mitt Romney, que angariou 50 votos. "Tricky Dick" ganhara de novo.

 

Mas Miami é a parte mais plácida do "romance" de Mailer. Em Chicago, nesse ano, convergiram todas as frustrações políticas do radicalismo americano. Por um lado, era o Partido Democrático que ocupava a Casa Branca, por outro, aquele é o partido das causas "progressistas" e, como tal, a esquerda mais radical sentia-se por ele particularmente traída. Além da Guerra do Vietname, havia os ventos do Maio de '68 em Paris, e todo um "caldo de cultura" prestes a estourar. A "revolta" das universidades americanas aprestava-se a desembarcar em Chicago.

 

Devo aqui fazer um breve parêntesis para mencionar um facto que exacerbara as tensões "de rua" na convenção democrática: o Vice-Presidente Hubert Humphrey era o claro favorito à nomeação, sem ter disputado uma primária que fosse. Por outro lado, o Senador Eugene McCarthy ("the good Senator McCarthy", em contraste com o falecido Senador Joe McCarthy, o homem da "caça às bruxas" dos anos '50) tinha um bom pecúlio eleitoral em matéria de primárias, e era o candidato anti-guerra. Acrescia ainda a candidatura do Senador George McGovern, também ele um candidato anti-guerra, de que se ouviria falar de novo quatro anos mais tarde.

 

 

 

 

Perante este cenário surgia a figura do famoso Mayor de Chicago, Richard Daley, cuja influência na "mobilização" - digamos assim - do eleitorado democrático fora fulcral na decisiva vitória de John Kennedy no Illinois na renhidíssima eleição de 1960 (que causara um rancor inesgotável no já de si rancoroso Richard Nixon). Daley jurara que a sua cidade não seria tomada pelos milhares de manifestantes que se anunciavam. Pois bem, aqui Norman Mailer entra no seu melhor. É impiedoso em relação a Humphrey - no fundo, sentia-se traído por um "dos seus" - mergulha "na rua", e chega a ser detido pela polícia. Na referida "rua" travam-se autênticas batalhas campais entre os manifestantes e a polícia de Chicago, auxiliada pela Guarda Nacional do Illinois. O gás lacrimogénio lançado pela polícia chega a afectar o desamparado Hubert Humphrey no seu quarto de hotel.

 

Entretanto, no pavilhão da convenção, as coisas não estavam muito mais calmas que na rua. O famoso Dan Rather, na altura repórter da CBS, foi agredido pela polícia no pavilhão, e quando o Senador Abraham Ribicoff utilizou o seu discurso de apoio a McGovern para falar do que se passava nas ruas, dizendo que, com McGovern, tais tácticas "de Gestapo" não teriam lugar, Richard Daley exclamou do seu lugar: "“F... you, you Jew son of a bitch! You lousy motherfucker! Go home!”

 

Tudo isto Mailer cobre com um entusiasmo e um talento notáveis, prendendo o leitor ao livro (umas 200 páginas) de princípio ao fim. 

 

Poucos dias depois do "Cerco de Chicago", Richard Nixon, velha raposa, fez uma digressão e um comício na cidade, defendendo "a lei e a ordem". Desta vez, nem a "capacidade mobilizadora" de Richard Daley o impediria de ganhar o Illinois.

 

 

 

 

Fotos: em cima: a família Nixon a caminho da Casa Branca; ao meio: o Vice-Presidente Hubert Humphrey.

 

 

 

 


arquivos
2017:

 J F M A M J J A S O N D


2016:

 J F M A M J J A S O N D


2015:

 J F M A M J J A S O N D


2014:

 J F M A M J J A S O N D


2013:

 J F M A M J J A S O N D


2012:

 J F M A M J J A S O N D


2011:

 J F M A M J J A S O N D


2010:

 J F M A M J J A S O N D


pesquisar neste blog