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Mai 16
publicado por Nuno Gouveia, às 20:34link do post

A democracia liberal americana sofreu um duro revés com um dos seus dois maiores partidos a ser capturado por um populista demagogo como Donald Trump. Não tenhamos ilusões: este já não é o partido de Reagan e a partir de agora será uma outra coisa bem diferente. Resta saber se em caso de derrota em Novembro se poderá salvar ou continuará com esta linha. Tudo permanece incerto e não me arrisco a fazer prognósticos. A nomeação garantida ontem por Trump marca o fim de uma era no Partido Republicano, marcada pelo conservadorismo social, liberalismo económico e uma ideia de Estados Unidos intervencionista no mundo. Donald Trump não é conservador, não respeita a liberdade económica e a sua posição externa dependerá muito dos seus estados de alma. Como dizia há dias um conservador americano, o Partido Republicano de Trump é algo muito semelhante à Frente Nacional, com um discurso xenófobo e misógino, contra os estrangeiros e tudo o que "cheire" a diferente. Tanto tomará posições à esquerda, como no proteccionismo económico que tem vindo a defender, como radizalizará à direita, como são as suas posições demagogas sobre os imigrantes.

 

Donald Trump "suspendeu" o Partido Republicano moderno. É verdade que nos últimos anos, o radicalismo tomou conta de várias franjas do partido, e havia vários sinais disso. Mas se atentarmos aos dois últimos nomeados, a liderança do partido não tinha mudado assim tanto. John McCain e Mitt Romney não eram assim tão diferentes, em termos ideológicos, de Ronald Reagan ou dos Bush, os três últimos presidentes republicanos. Mas o que se passou nestas primárias foi um verdadeiro filme de terror com esta mudança radical na liderança do GOP, que concretizou os sintomas dos últimos anos: figuras com Sarah Palin e Michele Bachmann chegaram a ser imensamente populares na base do partido; apresentadores radicais de rádio, como Sean Hannity, Rush Limbaugh ou Laura Ingraham são vozes autorizadas na base do partido. A grande surpresa foi que estes que se clamavam representantes do "verdadeiro conservadorismo" não apoiaram o candidato que aspirava a ser o verdadeiro conservador nas primárias, o senador Ted Cruz. Não, os mesmos que juraram durante anos fidelidade ao verdadeiro conservadorismo acabaram por apoiar um antigo democrata que doara centenas de milhares de dólares aos democratas e aos Clinton, e que sempre assumira posições contra os conservadores até há bem poucos anos. Os demagogos e os puristas são sempre assim: o seu oportunismo acaba sempre por se revelar. 

 

O Partido Republicano partiu para esta campanha eleitoral cheio de esperanças depois da vitória eleitoral nas eleições intercalares de 2014. Depois de oito anos de Barack Obama na Casa Branca, as expectativas de recuperar a Presidência eram legítimas. Um partido cheio de novas caras capazes de entusiasmar a sociedade americana: desde o jovem descendente de cubanos, Marco Rubio ao governador estrela do “blue state” Wisconsin que tinha “dobrado” a espinha aos sindicatos e ganho três eleições em quatro anos, Scott Walker. Ao lado, candidatos credíveis e tradicionais, como Jeb Bush, do poderoso clã que já deu dois presidentes à América, e John Kasich, o influente e popular governador do Ohio. Historicamente, as perspetivas eram ainda melhores. Desde a saída de Harry Truman em 1952 que o Partido Democrata não consegue ter dois presidentes consecutivos e desde então, apenas uma vez um partido venceu três eleições consecutivas, entre 1980 e 1988, com Ronald Reagan e George H. Bush. Do outro lado, uma agastada Hillary Clinton, afetada por diversos escândalos, era a única candidata viável, depois de oito anos de Obama em que a única “estrela” que apareceu, Elisabeth Warren, rapidamente anunciou que não seria candidata. Estava tudo reunido para o que o Partido Republicano tivesse fortes hipóteses de vencer as eleições presidenciais de 2016, com um candidato credível e capaz de regenerar um partido ainda agastado pela presidência de George W. Bush. 

 

Se depois do que aconteceu nos últimos meses, não digo que Trump está destinado a ser derrotado (devemos aprender lições do passado), mas ele parte para estas eleições muito fragilizado, sendo o candidato mais impopular de sempre a chegar às eleições gerais e parte muito atrás de Hillary Clinton, como indicam quase todas as sondagens. Mas este Partido Republicano de Trump não é conservador nem liberal (no sentido americano). É populista e demagogo, e agirá sempre de acordo com os estados de alma de Trump. E nada é mais perigoso que um grande partido num grande país ser dominado por um populista. 

 

PS: Com a nomeação de Trump, veremos muitos que o renegaram nestes últimos meses a colocarem-se atrás dele. A vida partidária é assim mesmo.

 


No último quarto de século, a norma tem sido o segundo candidato mais votado nas primárias Republicanas ser um candidato extremamente conservador em questões sociais mas não tão "libertarian" como tudo isso em questões económicas (Buchanan em 1992 e 1996; Huckabee em 2008; Santorum em 2012) - e, aliás, a suposta tradição de os Republicanos escolherem na eleição N o candidato que ficou em segundo na eleição N-1 há muito que já não se verificava.

[Em 2008, Jonah Goldberg escrevia acerca deHuckabee "Huckabee represents the latest attempt to make conservatism more popular by jettisoning the unpopular bits. Contrary to the conventional belief that Republicans need to drop their opposition to abortion, gay marriage and the like in order to be popular, Huckabee understands that the unpopular stuff is the economic libertarianism: free trade and smaller government. That's why we're seeing a rise in economic populism on the right coupled with a culturally conservative populism."]

A peculiaridade de Trump é que mesmo nas "questões sociais" o seu conservadorismo é limitado a alguns pontos, como imigração, lei-e-ordem e (parcialmente) segurança nacional (e um estilo pessoal deliberadamente "politicamente incorreto"), mas é capaz de não ser um fenómeno tão diferente como tudo isso desses candidatos de eleições anteriores
Miguel Madeira a 6 de Maio de 2016 às 13:09

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