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Mar 16
publicado por Alexandre Burmester, às 14:46link do post | comentar

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Na semana passada Bernie Sanders venceu os estados de Idaho e Utah com votações que andaram perto dos 80% (e perdeu o Arizona com 40%); ontem, o senador pelo Vermont conseguiu este impressionante desempenho: Alasca 82%, Havai 70% e Washington (estado) 73%. 

 

No cômputo destas seis eleições, Sanders angariou mais delegados vinculados que a sua adversária Hillary Clinton, mas sem fazer grande mossa na vantagem da antiga Secretária de Estado (a atribuição de delegados pelo estado de Washington não está ainda concluída, contudo, e era aí que ontem se atribuía a esmagadora maioria de delegados). Há também um importante busílis para Sanders: é que, além dos delegados vinculados, o sistema das primárias democráticas nomeia um número não desprezável dos chamados super-delegados, delegados não vinculados, independentemente dos resultados eleitorais, num total que ronda os 700, ou seja, cerca de um terço do total de delegados necessários a uma maioria na convenção do partido. Estes super-delegados representam basicamente a máquina do partido e têm alinhado esmagadoramente com Clinton: até agora, 469 para ela e apenas 29 para Sanders.

 

É certo que, super-delegados à parte, Clinton conseguiu até agora mais votos que Sanders - ela própria recentemente realçou isso, ao dizer, inclusivamente, que, entre os candidatos de ambos os partidos, é ela quem mais votos até agora angariou. Isso é um facto, mas também em 2008 ela conseguiu mais votos que o então Senador Barack Obama, mas este, ao concentrar os seus esforços nos "caucuses" (onde a participação é menor que nas primárias propriamente ditas), ganhou a maioria dos delegados. Sanders tem tido um especialmente bom desempenho precisamente nos "caucuses", e Clinton ganhou a vantagem que tem essencialmente devido ao seu robusto desempenho nos estados do Sul. Quanto ao facto de a antiga Primeira Dama ter até agora mais votos que qualquer republicano, isso é um argumento especioso, dado que, durante bastante tempo, as primárias republicanas foram disputadas por um elevado número de concorrentes, que entre si foram dividindo os votos. E, já agora, números contra números, as primárias republicanas têm tido uma substancialmente maior participação.

 

Ao contrário do que sucede no campo republicano, no qual, a partir de 15 de Março, a maioria das primárias atribui os delegados ao vencedor na sua totalidade (embora com algumas nuances), entre os democratas essa atribuição é sempre proporcional. Isso se, por um lado, permitiu a Sanders não ficar irremediavelmente derrotado com as primárias do Sul, torna também agora uma sua eventual recuperação mais difícil, pese embora o terreno a ele essencialmente favorável daqui até ao final.

 

Uma coisa é certa: uma vez que continua a vencer primárias e a angariar fundos, e dado a característica essencialmente ideológica e militante da sua campanha, Bernie Sanders dificilmente deixará de ir até ao fim, na primária do Distrito de Columbia a 14 de Junho. Um esforço meritório, galhardo, mas basicamente pírrico.

 

 

 

Foto: "caucus" democrático em Seattle, Washington

Elaine Thompson/Associated Press

 


E o que acha, assumindo que os vencedores das primárias serão de facto Clinton e Trump, da possibilidade de uma parte significativa dos apoiantes de Sanders não só ficarem em casa como passarem para o campo de Trump nas eleições gerais?

À primeira vista isto pode não parecer fazer sentido nenhum já que supostamente os dois candidatos se encontram em extremos ideológicos opostos, mas por outro lado, além do apelo anti-establishment, ambos têm posições anti-comércio livre e globalização que atraem uma boa parte da classe média/média baixa. Além do facto de Trump ser bastante experiente em mudar drasticamente de discurso político conforme a situação lhe convém, pelo que possivelmente na eleição geral irá voltar atrás no discurso ultra-racista. Estaremos também perante a possibilidade de ver uma eleição onde o candidato republicano é anti comércio livre e o candidato democrata muito mais liberal (no sentido europeu) na economia?
Visitante a 30 de Março de 2016 às 15:10

"Estaremos também perante a possibilidade de ver uma eleição onde o candidato republicano é anti comércio livre e o candidato democrata muito mais liberal (no sentido europeu) na economia?"


Não tenho certeza disto que vou dizer, mas penso que até cerca de 1970 era esse o alinhamento clássico: os Republicanos eram o partido protecionista, e os Democratas o partido livre-cambista; a partir dos anos 70 (quando as importações começaram a fazer concorrência aos sectores industriais fortemente sindicalizados, em vez de, como até então, fazerem sobretudo concorrência às indústrias dos Estados "right-to-work") as posições mais ou menos inverteram-se, com os sindicatos a empurrarem os Democratas para o campo protecionista. Mas penso que esse novo alinhamento não foi tão rigoroso como o anterior, já que os Democratas, quando na presidência, continuaram a assinar acordos de comércio livre; e continuou também a existir uma ala protecionista entre os Republicanos, representada por politicos/comentadores como Pat Buchanan e "donors" (como é que isto se diz em português?) como o industrial do têxtil Roger Milliken.

E, (fazendo uma análise talvez um bocado marxista, explicando as ideias pelos interesses económicos) até pode fazer sentido que por vezes a defesa do liberalismo económico interno venha junto com a defesa do protecionismo - basicamente, sectores produtores de bens transacionáveis com baixo valor acrescentado são os que são mais ameaçados, tanto pela concorrência estrangeira, como pela regulamentação laboral e ambiental (e se calhar também são os que têm menos a ganhar com o aumento da procura, pelo que também têm menos razão para apoiar politicas keynesianas); em compensação, os sectores de alta tecnologia provavelmente conseguem mais facilmente suportar os custos das regulamentações e também são os que mais beneficiam da globalização; e, por outro lado, grande parte do sector dos serviços está por natureza protegido da concorrência externa (não tendo assim necessidade de proteções adicionais), e é o que mais tem a ganhar com o aumento da procura interna (logo, com politicas keynesianas), e, já agora, também é pouco afetado pela regulação ambienta - mas admito que este meu ultimo parágrafo já é demasiado especulativo.

A defesa do livre-cambismo pelo Partido Republicano é anterior aos anos 70, Miguel. Isso não invalida que o partido sempre tenha tido um sector "nativista", digamos assim, bem exemplificado na candidatura de Pat Buchanan, por si referido, nas primárias de 1996, o qual se opõe não só à liberalização do comércio externo, como inclusivamente ao intervenconismo em política externa. Esta facção foi subalternizada por longo tempo a partir da Convenção de 1952, onde o seu porta-estandarte da época, o Senador Robert Taft, "Mr Republican", foi derrotado pelo General Dwight Eisenhower.

Sendo os partidos americanos grandes coligações, é comum neles encontrarmos díspares tendências. O acordo de livre comércio da América do Norte - NAFTA - foi assinado pelo Presidente George H.W. Bush no final do seu mandato, em 1992, e aprovado pelo Congresso e assinado pelo Presidente Bill Clinton um ano depois. Por curiosidade, deixo aqui os números da votação nas duas câmaras do Congresso:

- Câmara dos Representantes: 234-200: 132 republicanos e 102 democratas votaram a favor (os democratas tinham a maioria na câmara);

- Senado: 61-38: 34 republicanos e 27 democratas votaram a favor (também no Senado a maioria era democrática).

A Administração Obama, como sabemos, negociou recentemente tratados de comércio livre com a Europa e com nações do Pacífico e, também aí, esses tratados recolhem mais apoio entre os legisladores republicanos que entre os democratas, e os tratados levaram Hillary Clinton a ter de fazer uma "pirueta" face à oposição de Bernie Sanders aos mesmos.

Entre o eleitorado republicano, contudo, tem vindo a crescer a oposição ao livre-comércio, especialmente entre os sectores da população que se sentem mais afectados por ele, culpando-o pelo desemprego na indústria transformadora. Donald Trump, sintomaticamente, tem cavalgado essa onda.

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