Esta é a pergunta que tem dominado quase as conversas sobre a próxima administração americana, persistindo o pessimismo e o desânimo. E se a campanha americana tinha deixado a comunidade internacional alarmada com Donald Trump, as semanas que passaram após a sua histórica vitória de Novembro contribuíram para aumentar esse negativismo. A sua postura continua errática e imprevisível, tecendo declarações que revelam perigosos sinais, sobretudo para os aliados de sempre dos Estados Unidos, sejam eles da Europa, da Ásia ou das Américas.
Não acrescentarei muito se disser que as relações com os seus aliados da Nato preocupam todas as chancelarias europeias, sobretudo os países de leste que se sentem ameaçados pelo urso Russo, os vizinhos México e Canadá, que estão em estado de alerta sobretudo devido às críticas ao Nafta e a insuportável insistência que o México irá pagar o muro, ou ainda a ameaça de guerra comercial à China que não interessa a ninguém, sobretudo aos seus vizinhos asiáticos. Para nós europeus, sobretudo aqueles que acreditam na estabilidade de instituições como a NATO e a União Europeia, que valorizam um possível acordo de comércio livre com os Estados Unidos ou que estão assustados com a ascensão do nacionalismo e do populismo na Europa, é sobretudo preocupante verificar que um líder dos Estados Unidos elogia abertamente movimentos populistas como o de Nigel Farage ou Marine Le Pen, que ameaça a indústria europeia com novas barreiras alfandegárias e que ataca a União Europeia, dizendo até que mais países deverão abandonar a UE.
Mas prefiro centrar este artigo nas barreiras que Trump terá para impor a agenda que tem apregoado. Não sei se será possível ter sequer algum tipo de optimismo. Muito provavelmente tudo correrá mal e Trump continuará a actuar como Presidente com este estilo bombástico e de desprezo pelos valores e pelos ideais que os Estados Unidos sempre representaram no Mundo. Nas últimas semanas, alguns nomeados de Trump e que terão fortes responsabilidades na condução da política externa norte-americana, teceram declarações que representam alguns bons sinais, entrando em contradição frontal com Trump.
Esta semana Nikki Haley, nomeada para Embaixadora dos Estados Unidos na ONU, disse que a Rússia não é confiável, condenou a invasão da Crimeia, criticou a intervenção russa na Síria e discordou do levantamento das sanções a este país enquanto não oferecer nada em troca. E, ao mesmo tempo que condenou a posição de Obama em relação à condenação de Israel na ONU no mês passado (tal como aliás o Partido Republicano e muitos senadores Democratas), defendeu a solução de dois estados para Israel e Palestina.
Mais surpreendente foram as declarações de Rex Tillerson na audição no Senado para Secretário de Estado e que terá, inclusive, suscitado algum desânimo em Moscovo. O antigo CEO da Exxon Mobil, considerado próximo da Rússia, afirmou que esta representa um perigo, que invadiu a Crimeia é ilegal, que apoiou as forças sírias que de forma brutal violaram as leis da guerra e acrescentou ainda que os aliados da NATO estão certos ao terem receio da Rússia. E acrescentou ainda que é necessário promover uma reconciliação com a Turquia, que devido à ausência de uma verdadeira liderança americana, aproximou-se da Rússia. Tillerson pronunciou-se ainda sobre os ataques cibernéticos russos, ao afirmar que são preocupantes, ao mesmo tempo que propôs medidas para apoiar a Ucrânia, nomeadamente através da cedência de armas. Mas Tillerson disse ainda outras coisas, como não se opor ao Acordo de Comércio Livre com a Ásia-Pacífico (TPP) e apoiar genericamente acordos de comércio livre. Não é certo que Tillerson seja aprovado no senado, até porque vários republicanos têm várias reservas à sua nomeação, como Marco Rubio, John McCain e Lindsay Graham. Mas desde que foi conhecido que é apoiado por figuras como Condoleezza Rice do Robert Gates, as suas hipóteses aumentaram e talvez estes apoios também signifiquem que não vá ser um simples yes man da absurda retórica de Trump.
James Mathis, que foi esta quarta-feira confirmado como novo Secretário da Defesa no senado (26 votos a favor, 1 contra), também entrou em contradição com as ideias de Trump, dizendo mesmo que a Rússia e o ISIS são as grandes ameaças externas aos Estados Unidos, surpreendendo ao ponto de afirmar que são os russos a principal ameaça. O general Mathis, que trabalhou na NATO, defendeu também a importância da aliança atlântica e acusou a Rússia de pretender “destruir a aliança militar de maior sucesso da história”, reforçando a ideia que é fundamental a defesa dos países bálticos e travar a ameaça russa. No mesmo dia, Mathis foi secundado em muitas destas opiniões por Mike Pompeo, novo director da CIA.
É evidente que muitas destas declarações não podem ser desligadas do local onde foram feitas: no Senado, onde precisavam de convencer os senadores a aprovarem a sua nomeação. Seja verdade (no caso de Nikki Haley, Mike Pompeo e James Mathis é, pois sempre defenderam isso) ou mentira (ninguém conhecia o pensamento de Rex Tillerson sobre estas matérias), estes nomeados tiveram a necessidade de enfatizar estas posições no Senado precisamente porque são as opiniões da maioria dos senadores, sejam republicanos ou democratas. E isso revela a dificuldade que Trump terá em impor a sua agenda disruptiva na política externa norte-americana: grande parte dos eleitos a nível federal nos EUA discordam veementemente das ideias de Trump e o establishment dos dois partidos também. Sabemos que isso não impediu Trump de vencer as eleições, e apesar do que defendem os escolhidos para o Pentágono, Langley, ONU ou Departamento de Estado, terão eles capacidade de influenciar decisivamente Trump? Provavelmente a resposta é não e a política externa dependerá quase exclusivamente dos interesses e dos desejos do novo presidente. Mas se ninguém conseguir influenciar positivamente a agenda da Administração Trump, então provavelmente teremos razões para estar muito preocupados com os próximos quatro anos.