O fatalismo dos analistas americanos tolda, por vezes, a sua capacidade de analisar fidedignamente a realidade política. Nem todos obviamente. Mas há narrativas baseadas somente na espuma dos acontecimentos actuais, esquecendo a história, a volatilidade da realidade política e um ensinamento fundamental: em política, não há nada que o tempo ou as circunstâncias não curem. Não foi logo após as presidenciais de 2008 que declararam que o GOP iria tornar-se irrelevante na próxima década? Pois.
Agora lemos muitas análises deste género, mas em relação a Barack Obama. O cenário de um candidato às primárias tem sido avançado em diversos círculos democratas, e muitos analistas têm escrito sobre a possibilidade Obama ser OTP* (One Term President). Vários democratas, entre Russ Feingold, Evan Bayh e até mesmo Hillary Clinton tem sido apontados como possíveis challengers numas primárias competitivas. Douglas Schoen and Patrick Caddell, dois democratas centristas, apelam hoje no Washington Post a Barack Obama para não se candidatar em 2012. Não acredito em nenhum destes dois cenários.
A possibilidade de Obama enfrentar uma oposição séria dentro do Partido parece-me absurda, do ponto de vista estratégico. Bem sei que pode acontecer, mas eu não acredito. Nas últimas décadas quatro presidentes em exercício foram desafiados internamente nas primárias. O resultado foi sempre o mesmo: a eleição de um presidente do outro partido. Em 1968, Lyndon Johnson teve a oposição de Eugene McCarthy e Robert Kennedy. Anunciou que não se se candidatava e o nomeado do Partido, o VP Humbert Humphrey foi derrotado por Richard Nixon. Em 1976 Ronald Reagan candidatou-se contra o Presidente Gerald Ford e Jimmy Carter acabou eleito. Quatro anos mais tarde foi Carter a enfrentar Ted Kennedy, que levou a batalha eleitoral até à Convenção. Ronald Reagan derrotou Carter num landslide. Por fim em 1992, Pat Buchanan desafiou George H. Bush pela direita e acabou por ser Bill Clinton a ganhar as eleições gerais. Com este registo histórico quem é que no Partido Democrata sentirá o apelo para avançar contra Obama? Pode sempre surgir alguém à procura de protagonismo, mas nunca será levado a sério pelos eleitores e pelo Partido Democrata. Por muito que exista descontentamento dentro do Partido sobre a performance de Obama, duvido que alguém credível avance para uma ofensiva contra o Presidente. Haverá algum Reagan neste momento dentro do Partido Democrata para desafiar o establishment? Não me parece.
Também não acredito na possibilidade de Barack Obama não se recandidatar. Isso seria aceitar que o seu mandato foi um fracasso, e nenhum político é capaz de o assumir de forma tão categórica. Aliás, a equipa de Obama saberá que as coisas não têm corrido bem, mas e até olhando para a história de outros Presidentes, como Reagan e Clinton, terão a consciência que tudo poderá mudar nos próximos dois anos. Além disso, e olhando para o campo adversário, não se vislumbra ainda um forte candidato republicano que seja imbatível contra Obama, mesmo mantendo-se o actual cenário económico. Não tenham dúvidas: Obama não vai desistir e irá procurar a reeleição.
Dito isto, acredito que Obama poderá mesmo ser um OTP. Vários factores irão ser decisivos. A prestação económica e a taxa de desemprego em 2012, à cabeça. A relação que Obama estabelecer com a nova maioria republicana na Câmara dos Representantes e de que forma esta relação será percepcionada pelo povo americano. Obama precisará também de voltar ao formato da campanha eleitoral, onde raramente cometeu erros políticos e conseguiu criar uma narrativa de sucesso em redor da sua candidatura. Sem recuperar o apoio dos independentes, das mulheres e das pessoas com formação universitária, que nestas eleições votaram maioritariamente republicano, Obama não conseguirá ser reeleito. Por fim, um aspecto que não depende de Obama: o nome do seu adversário republicano. Se o GOP encontrar um nome que consiga fazer a ponte entre o establishment do partido e o tea party, alguém com credenciais conservadoras mas que não afaste o centro político, Obama terá sempre dificuldades. Se, pelo contrário, o nomeado for alguém encostado à direita e ao tea party, mas sem uma mensagem que capte o eleitorado independente (e sim, estou a pensar em Sarah Palin, mas não só), Obama poderá ter a vida mais facilitada.
* Sobre este tema, aconselho a leitura deste artigo de Larry Sabato e Alan Abramowitz.