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Nov 10
publicado por Nuno Gouveia, às 17:11link do post | comentar

O fatalismo dos analistas americanos tolda, por vezes, a sua capacidade de analisar fidedignamente a realidade política. Nem todos obviamente. Mas há narrativas baseadas somente na espuma dos acontecimentos actuais, esquecendo a história, a volatilidade da realidade política e um ensinamento fundamental: em política, não há nada que o tempo ou as circunstâncias não curem. Não foi logo após as presidenciais de 2008 que declararam que o GOP iria tornar-se irrelevante na próxima década? Pois.

 

Agora lemos muitas análises deste género, mas em relação a Barack Obama. O cenário de um candidato às primárias tem sido avançado em diversos círculos democratas, e muitos analistas têm escrito sobre a possibilidade Obama ser OTP* (One Term President). Vários democratas, entre Russ Feingold, Evan Bayh e até mesmo Hillary Clinton tem sido apontados como possíveis challengers numas primárias competitivas. Douglas Schoen and Patrick Caddell, dois democratas centristas, apelam hoje no Washington Post a Barack Obama para não se candidatar em 2012. Não acredito em nenhum destes dois cenários.

 

A possibilidade de Obama enfrentar uma oposição séria dentro do Partido parece-me absurda, do ponto de vista estratégico. Bem sei que pode acontecer, mas eu não acredito. Nas últimas décadas quatro presidentes em exercício foram desafiados internamente nas primárias. O resultado foi sempre o mesmo: a eleição de um presidente do outro partido. Em 1968, Lyndon Johnson teve a oposição de Eugene McCarthy e Robert Kennedy. Anunciou que não se se candidatava e o nomeado do Partido, o VP Humbert Humphrey foi derrotado por Richard Nixon. Em 1976 Ronald Reagan candidatou-se contra o Presidente Gerald Ford e Jimmy Carter acabou eleito. Quatro anos mais tarde foi Carter a enfrentar Ted Kennedy, que levou a batalha eleitoral até à Convenção. Ronald Reagan derrotou Carter num landslide. Por fim em 1992, Pat Buchanan desafiou George H. Bush pela direita e acabou por ser Bill Clinton a ganhar as eleições gerais. Com este registo histórico quem é que no Partido Democrata sentirá o apelo para avançar contra Obama? Pode sempre surgir alguém à procura de protagonismo, mas nunca será levado a sério pelos eleitores e pelo Partido Democrata. Por muito que exista descontentamento dentro do Partido sobre a performance de Obama, duvido que alguém credível avance para uma ofensiva contra o Presidente. Haverá algum Reagan neste momento dentro do Partido Democrata para desafiar o establishment? Não me parece.

 

Também não acredito na possibilidade de Barack Obama não se recandidatar. Isso seria aceitar que o seu mandato foi um fracasso, e nenhum político é capaz de o assumir de forma tão categórica. Aliás, a equipa de Obama saberá que as coisas não têm corrido bem, mas e até olhando para a história de outros Presidentes, como Reagan e Clinton, terão a consciência que tudo poderá mudar nos próximos dois anos. Além disso, e olhando para o campo adversário, não se vislumbra ainda um forte candidato republicano que seja imbatível contra Obama, mesmo mantendo-se o actual cenário económico. Não tenham dúvidas: Obama não vai desistir e irá procurar a reeleição.

 

Dito isto, acredito que Obama poderá mesmo ser um OTP. Vários factores irão ser decisivos. A prestação económica e a taxa de desemprego em 2012, à cabeça. A relação que Obama estabelecer com a nova maioria republicana na Câmara dos Representantes e de que forma esta relação será percepcionada pelo povo americano. Obama precisará também de voltar ao formato da campanha eleitoral, onde raramente cometeu erros políticos e conseguiu criar uma narrativa de sucesso em redor da sua candidatura. Sem recuperar o apoio dos independentes, das mulheres e das pessoas com formação universitária, que nestas eleições votaram maioritariamente republicano, Obama não conseguirá ser reeleito. Por fim, um aspecto que não depende de Obama: o nome do seu adversário republicano. Se o GOP encontrar um nome que consiga fazer a ponte entre o establishment do partido e o tea party, alguém com credenciais conservadoras mas que não afaste o centro político, Obama terá sempre dificuldades. Se, pelo contrário, o nomeado for alguém encostado à direita e ao tea party, mas sem uma mensagem que capte o eleitorado independente (e sim, estou a pensar em Sarah Palin, mas não só), Obama poderá ter a vida mais facilitada.

 

* Sobre este tema, aconselho a leitura deste artigo de Larry Sabato e Alan Abramowitz.


Pois eu, caro Nuno, acho bem possível que apareça uma candidatura contra Obama pela esquerda do Partido Democrático. Os factos históricos e lógicos que apontas não costumam demover os puristas nem os oportunistas (duvido que Sarah Palin achasse que Christine O'Donnell conseguiria ser eleita no Delaware , e contudo isso não a impediu de ter um papel fundamental na vitória de O'Donnell na primária republicana daquele estado).

Além das frustrações da esquerda democrática (da qual, em minha opinião, Obama faz parte - basta ver o seu rating enquanto senador - mas sucede que o presidente tem constrangimentos que um senador não tem) com os dois anos iniciais do mandato de Obama , consubstanciadas na ausência de uma "public option " na lei da reforma da saúde e na não-aprovação até agora de uma "cap and trade bill " e de uma reforma da imigração que contemple uma amnistia aos ilegais, outras nuvens surgem no horizonte na perspectiva dessa esquerda. Por exemplo, face à nova correlação de forças no Capitólio, o presidente poderá possivelmente vir a renovar as reduções de impostos da era Bush na sua totalidade, isto é, contemplando não apenas os americanos que ganham menos de US$ 250.000/ano, mas todos os contribuintes. Isto será uma espinha cravada na garganta da esquerda, e Obama poderá por ela ser acusado de cedências inaceitáveis aos "fat cats ". Também é possível que Obama , se quiser mostrar-se conciliador, tente pelo menos um acordo inicial de diminuição do deficit orçamental, o qual, para passar na Câmara dos Representantes (origem das medidas orçamentais, convém salientar), terá de conter uma larga dose de medidas favorecidas pelos republicanos. Tudo isto é lenha para as caldeiras da esquerda democrática.

Os precedentes de 1968, 1976 e 1980 não impediram o fogoso Pat Buchanan de se candidatar pela direita contra George H.W . Bush (embora eu ache que o principal "culpado" da derrota de Bush 41 tenha sido a candidatura independente de Ross Perot ). Como tal, também não creio que esses precedentes mais o de 1992 possam travar um "fogoso" candidato democrata, do estilo de, por exemplo, Howard Dean .

Alexandre Burmester a 13 de Novembro de 2010 às 22:56

É uma perspectiva que aceito. Os "puristas e os oportunistas" não costumam pensar muito :)

No entanto, não acredito muito que surja alguém com o nome e credibilidade de um dos nomes que referi ou até mesmo de Howard Dean. Um Denis Kucinich até poderá tentar a sua sorte, mas seria considerado um não-candidato. Mas cá estarei para citar este post e o teu comentário se o meu prognóstico falhar :)

Em relação a 1992, concordo, até porque Pat Buchanan nunca representou uma séria ameaça a H. Bush. O principal culpado terá sido mesmo Ross Perot.

Um abraço

Se existir, de que lado acha mais provável? Da esquerda, ou do centro, com um Joe Lieberman por exemplo.
Publius a 14 de Novembro de 2010 às 19:17

A existir, e dúvida, deverá ser do lado esquerdo do partido. Normalmente este tipo de ataques surgem das alas mais ideológicas do Partido. Foi isso que aconteceu nos anos em que referi.

Joe Lieberman já não conta muito para as contas Democratas. Em 2012 é provável que nem sequer tente ganhar as primárias democratas no Connecticut. E não sei se voltar a tentar a reeleição.
Nuno Gouveia a 14 de Novembro de 2010 às 22:36

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