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Set 12
publicado por José Gomes André, às 19:39link do post | comentar

Num já célebre vídeo, Mitt Romney foi apanhado numa angariação de fundos a proferir declarações polémicas, acusando os mais pobres de serem subsidio-dependentes, incapazes de tomar conta das próprias vidas, julgando disporem de um “direito à habitação, à alimentação”, etc., mesmo sem contribuírem com impostos para o Tesouro federal. Romney chegou mesmo a referir que este é o “eleitorado de Obama”, 47% de pessoas relativamente às quais ele “não está preocupado”, pois “nada pode fazer por eles”.

 

Estas declarações foram apelidadas de “gaffes” por alguma imprensa, mas creio que não se trata de um equívoco, antes de uma convicção bastante comum no Partido Republicano (é ver a Fox News e ler os blogues conservadores). Mais importante do que saber se ela é “eleitoralmente favorável” (até poderá ser), é discutir se ela é uma observação válida. Na minha opinião, não é, por três razões:

 

1. É factualmente incorrecta. Embora seja muito elevado o número de pessoas que não paga impostos sobre o rendimento, isso não significa que elas estejam fiscalmente isentas, uma vez que pagam impostos sobre o consumo (o IVA federal) e impostos estaduais.

 

2. É politicamente incoerente. Romney e os Republicanos têm acusado o Presidente Obama de ser responsável pela grave crise económico-financeira do país e pelos elevados números do desemprego. Mas se as pessoas são pessoalmente responsáveis pelo seu insucesso económico e profissional, então as vagas de despedimentos e de falências devem-se à incompetência dessas mesmas pessoas (que teriam preferido usufruir de um subsídio de desemprego a apostar no seu êxito profissional), e não a uma eventual ineficácia do governo federal. Como se vê, este argumento é francamente ilógico, parecendo Romney ser insensível à relevância da conjuntura sócio-económica e ao contexto político como factores determinantes do sucesso ou insucesso profissional dos indivíduos.

 

3. É filosoficamente inaceitável. Contraria princípios democráticos fundamentais como a ideia de coesão social e de solidariedade colectiva, propondo em sua substituição uma visão de um colectivo desagregado, onde não existem responsabilidades mútuas e cada indivíduo está entregue à sua sorte, seja qual for o contexto social, familiar ou económico em que se encontra à partida. Claro que para Romney é fácil falar em êxito pessoal, quando se nasce em berço de ouro. Quanto aos outros...paciência! Afinal de contas, eles são “culpados” pelo seu próprio azar. Esta visão social egoísta e monolítica é particularmente chocante quando contrastada com o “sonho americano” – a ideia de que qualquer um pode chegar longe, seja qual for o seu “background” pessoal. Mais do que qualquer outra coisa, é esta mensagem profundamente anti-americana que choca nas declarações de Romney.

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1. Estás a ser "disingenious", José André. É evidente que Romney não se referia ao imposto de transacções!

2. Lógica demasiado contorcida, a meu ver. As pessoas podem querer trabalhar, mas se as políticas federais, como é o caso presente, fazem aumentar o desemprego, que podem elas fazer? Acresce que Romney se referia, evidentemente, àqueles que preferem viver de subsídios a procurarem trabalho.


3. "Contraria princípios democráticos fundamentais como a ideia de coesão social e de solidariedade colectiva."

Isto não são princípios "democráticos fundamentais" (talvez sejam "democráticos" com D maiúsculo), embora possam considerar-se importantes. São principios do consenso do "Welfare State", o qual está há muito posto em causa por largos sectores de opinião e do eleitorado.

Acesce que em parte alguma do vídeo Romney defende o fim do "Welfare State", apenas obviamente criticando os seus excessos - e já alguém um dia disse, creio que de Tocqueville, ou até um dos "Founding Fathers", que, no dia em que o governo conseguir subornar a mairia do eleitorado com os seus próprios impostos, a democracia estará em perigo.

Além disso, Romney pode ter nascido em "berço de ouro", mas prescindiu da totalidade da herança paterna.

Finalmente, o "sonho americano" não consiste em tornar as pessoas dependentes do governo. E Obama, ao alterar a reforma do Welfare do tempo de Clinton que fazia uma combinação subsídio/procura de trabalho, deixando de exigir a procura de trabalho, não está a fomentar nenhum "sonho americano", mas sim um "pesadelo europeu" na América.

Abraço.



Alexandre Burmester a 19 de Setembro de 2012 às 21:43

"E Obama, ao alterar a reforma do Welfare do tempo de Clinton que fazia uma combinação subsídio/procura de trabalho, deixando de exigir a procura de trabalho"

Creio que o que Obama fez foi dar aos estados autonomia para decidir, no ambito do "welfare", o que é que conta ou não como "procura de trabalho". Poderemos chamar a isso "deixar de exigir a procura de trabalho"?

[E acaba por haver uma certa ironia quando os conservadores - supostamente defensores dos "state's rights" e que muitos defendem a "estatualização" da gestão de um dos Medi-qualquer coisa - o criticam por isso]
Miguel Madeira a 19 de Setembro de 2012 às 23:09

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