A possibilidade de uma vitória republicana nas eleições para o Congresso dos Estados Unidos em Novembro, pelo menos na Câmara dos Representantes, tem feito surgir comparações com 1994, ano em que o G.O.P. pela primeira vez conquistou a câmara baixa desde o longínquo ano de 1952, e mesmo aí à “boleia” da vitória presidencial do General Eisenhower. A essa conquista o G.O.P. juntou também em 1994 a do Senado.
O paralelo tem realmente alguma lógica, devido ao factor comum de, tanto em 1994 como agora, na Casa Branca estar um democrata a atravessar uma fase de menor popularidade, não devendo no entanto subestimar-se uma diferença essencial entre Bill Clinton e Barack Obama: o primeiro nunca fora até essas eleições propriamente muito popular, tendo até sido eleito com apenas 43% dos votos - devido essencialmente à presença de um candidato independente na corrida, Ross Perot, sem o qual, contudo, Clinton provavelmente nunca teria ganho essa eleição a George H.W. Bush. Mas as semelhanças não são menosprezáveis: se agora há a Reforma da Saúde, em 1994 houve uma Lei Criminal que causou grande “rombo” eleitoral aos democratas, mormente entre os eleitores independentes do Sul ,e medidas que cá seriam designadas de “fracturantes”, como a admissão de gays nas forças armadas. Os democratas, contudo, atribuem ao insucesso do “Hillarycare” – a frustrada reforma da saúde na primeira metade do primeiro mandato de Bill Clinton, sob a batuta de sua mulher – o principal motivo da sua derrocada em 1994, e contrastam esse insucesso com a vitória legislativa que agora conseguiram. Têm alguma razão, porque essa vitória ocasionou já um revigorar das suas bases, como pode verificar-se nas sondagens, em que o índice negativo de popularidade do Presidente diminuiu.
Em termos de números frios a situação é esta: em 1994 os republicanos conquistaram 9 lugares no Senado e 52 na Câmara dos Representantes. Desta vez precisam de conquistar 10 lugares no Senado e 40 na Câmara. Ou seja, nem precisam de ter um desempenho tão forte como em 1994 para reconquistarem a Câmara. O Senado é claramente um “long-shot” mas, ao contrário do que sucede na Câmara dos Representantes, a maior parte da legislação carece aí, na prática, de 60 votos para ser aprovada, pelo que a conquista de apenas 5 ou 6 lugares pelos republicanos seria já por si suficientemente limitativa das iniciativas legislativas democráticas (actualmente os republicanos têm 41 lugares no Senado, o que já retira a maioria de 60 aos democratas, mas há que não esquecer que os parlamentares americanos gozam de uma total liberdade de voto e usam-na com frequência).
Mas há um outro possível paralelo entre as duas eleições, e que já tem sido alvo de várias especulações. Em 1994 Bill Clinton parecia condenado a ser um presidente de um só mandato. O GOP parecia imparável, e a única questão parecia ser quem seria o seu candidato em 1996. Que fez então Bill Clinton? Pois nem mais nem menos que ir pescar em águas inimigas, trazendo como seu conselheiro para a Casa Branca o consultor republicano Dick Morris, que aliás já o servira enquanto Governador do Arkansas. Morris inventou o que viria a ser conhecido por “triangulação” e que consistia na adopção pelo Presidente de várias políticas republicanas, combinando-as com algumas políticas democráticas populares e com uma retórica conciliatória. Governando praticamente em tandem com a nova maioria no Senado, Clinton equilibrou o orçamento e reformou a Segurança Social e seria confortavelmente reeleito em 1996 (mas de novo com menos de 50% dos votos, devido a nova presença do incansável Perot). A questão é pois se Obama, caso se confirme pelo menos a conquista da Câmara dos Representantes pelos republicanos em Novembro, poderá ensaiar um golpe táctico semelhante ao de Clinton. Pessoalmente tenho muitas dúvidas: Obama parece ser um político muito mais ideológico que Clinton, um homem pragmático (os cínicos, contudo, achavam que só o poder lhe interessava e em vez de pragmático chamavam-lhe oportunista). Francamente acho difícil vê-lo abraçar políticas caras ao eleitorado conservador e, em alguns casos, mesmo ao eleitorado moderado. Em caso de derrota em Novembro, Obama ficará com as mãos atadas em termos legislativos e renovará os seus ataques àquele a que gosta de chamar “the party of «No»”, baseando aí a sua tentativa de reeleição. E um partido obstrucionista no Congresso desagrada também aos eleitores. Quanto a Dick Morris, voltou ao seu lugar natural: actualmente é um dos mais ferozes críticos de Obama nos media.
Alexandre Burmester
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