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Abr 10
publicado por Nuno Gouveia, às 16:33link do post | comentar

No último fim de semana Pedro Passos Coelho reuniu-se com blogues durante o congresso do PSD. Uma iniciativa que já tinha sido ensaiada por alguns responsáveis políticos, como José Sócrates, Paulo Rangel ou Francisco Louçã. Esta reunião suscitou reacções por parte de alguns jornalistas que não gostaram de ficar de fora. O Rodrigo Moita de Deus escreveu sobre isso e explicou em poucas palavras o que é e o que representa a blogosfera portuguesa. A Alda Telles escreveu um post sobre o assunto e referiu o exemplo dos Estados Unidos, onde 52% dos blogues se assumem como jornalistas. Não conhecendo o estudo em causa, não me causa estranheza estes números. Mas interessa-me discutir o papel blogosfera norte-americana no campo da política. É um campo carregado de significado político e ideológico.


A blogosfera nasceu nos Estados Unidos e foi lá que ela se desenvolveu de forma mais positiva e com maior capacidade para influenciar o rumo dos acontecimentos. A primeira campanha a nascer e desenvolver-se na blogosfera foi precisamente a de Howard Dean em 2003/4, quando emergiu como frontrunner da nomeação democrata. A rede de blogues que floresceu no verão de 2003, ancorado no blogue Dean For America, tornou possível a um desconhecido candidato nacional despontar como possível vencedor. A sua campanha viria a desabar no caucus do Iowa, mas ficaram as raízes para o sucesso dos blogues na politica americana. À esquerda e à direita vários blogues foram ganhando relevância mediática, transformando-se depois em verdadeiras âncoras digitais para projectos ideológicos na Internet. O mais conhecido é o “liberal” Huffington Post, que é hoje uma instituição muito relevante na politica americana. Arianna Huffington é mesmo uma das personalidades consideradas mais influentes na sociedade americana. Também à esquerda, o Daily Kos, do fundador Markos Moulitsas, que emergiu na campanha de Dean, evoluiu para o mainstream, sendo hoje um farol da esquerda americana na Internet. À direita, o Townhall também ganhou uma enorme relevância, tendo até iniciado em 2008 a publicação de uma revista. Estes espaços também fazem jornalismo, pois dão notícias. Mas são uma visão ideológica da realidade. Um pouco também como os media tradicionais americanos, pois a isenção está num estado de falência no jornalismo americano. E não é apenas a Fox News, como por cá às vezes se quer transparecer. Exemplos do outro lado temos o New York Times, a MSNBC ou mesmo a CNN (esta mais disfarçada) e os espaços noticiosos da CBS ou da NBC.


Ao lado destas “instituições” da Internet, estão os blogues de activistas republicanos e democratas, que têm um papel muito relevante na discussão pública. Tal como em Portugal, muitos destes bloggers ganharam espaço próprio nos media tradicionais. Mas ao contrário do que sucede em Portugal, os blogues mais relevantes assumem abertamente o combate político-partidário, funcionando muitas vezes como extensões das estratégias dos partidos. E por vezes,  conseguem mesmo liderar as estratégias dos políticos. Estão no meio do jogo partidário e interagem nele através dos blogues. Não são tratados como jornalistas, mas muitos deles têm briefings especiais com dirigentes políticos. A diferença que encontro é que não serão propriamente reuniões para informar e ouvir, mas sim para acertar estratégias para o combate político e eleitoral. A apregoada independência político-partidária que encontramos em muitos blogues políticos em Portugal é mais difícil de encontrar nos blogues mais lidos dos Estados Unidos. Certamente que há alguns casos, como o Political Wire, que estão desligados a luta política, e são meramente informativos. E estes transformaram-se em verdadeiras fontes de informação pública. Mas os blogues mais conhecidos, como o Hot AirThink Progress ou NewsBusters estão no meio do combate político-partidário. Por fim há alguns blogues com muita audiência que estão ligados a media tradicionais, como o Daily Dish do Andrew Sullivan ou o The Corner.


Os partidos há muito que viram neles a importância que têm no combate político. Desde 2004 que os blogues tem um espaço próprio nas Convenções dos Partidos. Eu estive na Convenção Republicana de 2008, e tive a oportunidade de verificar que os blogues são tratados como mais um media, ao lados dos restantes. O espaço para os mais de 15 mil membros credenciados estavam divididos por áreas: televisões nacionais, televisões estrangeiras, rádios, agencias noticiosas, jornais nacionais, jornais locais e blogues. Nem mais nem menos. As conferências de imprensa eram abertas a todos os media, todos recebiam informação do Press Office e havia assessores destacados para auxiliar cada corpo dos media. Em paralelo, foram organizados diversos eventos para as diversas categorias - houve duas sessões organizadas num hotel especificamente para os bloggers credenciados com personalidades do Partido Republicano e uma com o CEO da Google. Num destes eventos, tive a oportunidade de assistir a um recrutamento de um blogger. Um congressista republicano dirigiu-se aos presentes e disse que pretendia contratar um blogger para trabalhar com ele nos Young Eagles (organização que representa novos congressistas). Com o espírito prático dos americanos, logo um se ofereceu e no final presumo que tenha saído do hotel contratado.


O que tenho assistido nos últimos tempos é um crescimento da influência dos blogues na política americana. São mais um campo de batalha dos partidos e dos candidatos. A independência politico-partidária é bem menor do que em Portugal, mas isso também sucede nos colunistas e comentadores dos jornais e televisão, onde quase todos se assumem como republicanos ou democratas. Tal como nos media tradicionais, os blogues americanos assumem a sua bandeira e lutam por ela. Sem pretensões de isenção.


Excelente texto, ou não fosse a sua tese de mestrado sobre a utilização das novas tecnologias nas campanhas políticas :-)

Só uma questão de pormenor: porque diz que a CNN faz um jornalismo parcial (disfarçado)? Costumo assistir a alguns programas da cadeia - pelo menos o que passam por cá, como o Situation Room - e não me parece "biased". Aliás, a própria CNN está em crise de audiências e os "pundits" têm referido esse jornalismo de "middle of the road", como é caracterizado pelo próprio presidente da empresa, uma das causas para esse rombo nos números da cadeia.

Já agora, e perdoem-me a publicidade, sobre o tema da parcialidade nos "media" americanos já escrevi aqui: http://maquinapolitica.blogspot.com/2010/01/polarizacao-dos-media-americanos.html
João Luís a 12 de Abril de 2010 às 17:19

Considero de facto que das cadeias de cabo de notícias, a CNN é a menos biased de todas. A sua crise de audiências terá mesmo a ver com isso. Mas também não me esqueço da tendência daquela que já foi considerada outrora a ClintonNN, e que na última campanha teve uma cobertura demasiado pró-obama durante a campanha. Não a comparo sequer à Fox ou a MSNBC, mas também tem acho que tem uma tendência ligeiramente "liberal".

Cumprimentos.
Nuno Gouveia a 12 de Abril de 2010 às 17:40

Ted Turner ao criar a CNN, pretendia exactamente quebrar o monopólio "liberal" nas notícias televisivas CBS , NBC e ABC ). Ao seu casamento com a "Hanoi Jane " é atribuída a "inflexão à esquerda" da estação. Mas no actual panorama acaba, de facto, por ser a mais imparcial.

Quanto á assunção de opções políticas pelos media americanos - tal como sucede em Inglaterra na imprensa - acaba por ser uma postura mais honesta que a suposta isenção à portuguesa.
Alexandre Burmester a 13 de Abril de 2010 às 00:04

Post de grande qualidade e enquadramento. Para a parte que tenho andado a blogo-discutir, chego à conclusão, a partir do histórico feito pelo Nuno que, de facto, faz sentido que nos Estados Unidos os bloggers se equiparem cada vez mais a jornalistas (quem quiser ver o resumo do estudo é aqui: http://fontecodigofonte.wordpress.com/2010/04/02/maioria-dos-bloggers-considera-se-jornalista/)

Basta ver a quantidade de blogs que se transformaram em meios de comunicação social e que, no jargão actual, se denominam de social media.
Claro que em Portugal estamos a milhas dessa realidade. Mas acredito que cá chegará. Como em tudo o resto, o nosso atraso tem a ver com a falta de recursos, o pequeno mercado e a tradicional cultura de mini-fúndio, onde cada blog tem a sua quintinha. Por isso demorará a transformação dos blogues em verdadeiros social media.

Não deixam, contudo, sobretudo na política (mas não só) de serem media cada vez mais influentes. A agenda de cada um não me preocupa nada - temos de ler uns quantos para termos uma visão aberta das coisas, tal como temos de o fazer com os jornais tradicionais (ah, esses não têm agenda? Ok, peço desculpa).

Por isso defendi, no caso concreto do congresso do psd, que não fez sentido a discriminação feita pelo líder. Deveria ter promovido uma "media conference" para, precisamente, todos os media - os chamados mainstream (jornalistas) e os social (bloggers).
Ou, separando-os, não privilegiar um em detrimento do outro.
Alda Telles a 13 de Abril de 2010 às 19:48

Obrigado pelo seu comentário. Eu penso que em Portugal, até pelos dados que enumera e são certeiros, " a falta de recursos, o pequeno mercado e a tradicional cultura de mini-fúndio", não evoluiremos para uma situação como a Americana. Pelo menos nos tempos próximos. Sei que nos Estados Unidos há bloggers que vivem do seu blogue, pois através da publicidade conseguem angariar muito dinheiro com isso. Ora, isso nunca acontecerá em Portugal. Para os nossos blogues se transformarem em algo mais do que são era preciso que o mercado deixasse. E depois há outro aspecto que considero relevante: os maiores blogues nacionais, pelo menos os que têm mais visitas, não têm esse desejo de serem algo mais do que espaços de opinião, e com agenda como bem refere, mas não mais do que isso. Mas admito que gostava de ter em Portugal projectos da relevância de um Huffington Post ou Daily Kos. Este último até colabora regularmente com uma empresa de estudos de opinião que vai fazendo sondagens para eles. Mas acho que não há condições humanas e especialmente financeiras para isso.

Sobre o evento organizado por Passos Coelho, parece-me que terá pensado em "presentear" os blogues com uma reunião a sós, e sem imprensa. Sendo um grupo específico de media, é normal que os políticos queiram comunicar directamente com eles. Já não é o primeiro a fazer isso.

Nuno Gouveia a 13 de Abril de 2010 às 23:44

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