"Deixa-me escrever acerca deste homem, antes que ele desapareça de cena", assim iniciou, um dia, o jornalista Murray Kempton - homem provido de um refinadíssimo sentido de humor - um artigo acerca de um candidato que acabara de ganhar surpreendentemente uma eleição primária.
Cito isto porque nesta fase da campanha é prematuro dizer-se se John Kasich, segundo na primária republicana de New Hampshire, veio para ficar, ou se brevemente "desaparecerá de cena". Uma coisa é certa: com o resultado obtido, Kasich tornou-se um novo possível foco do "establishment" republicano na sua, cada vez mais difícil, tarefa de apoiar um candidato que possa derrotar não só Donald Trump, mas também Ted Cruz.
Debruço-me aqui um pouco, portanto, sobre a carreira de Kasich, a qual contém ingredientes que o tornam um interessante candidato, com experiência executiva e legislativa, e com credibilidade.
Já como estudante na Ohio State University, Kasich demonstrava um agudo interesse pela política, e em 1970, com 18 anos, teve até a ousadia de, através do presidente da universidade, fazer chegar uma carta ao Presidente Nixon, pedindo-lhe para o receber em audiência. Surpreendentemente, o presidente, provavelmente impressionado com a desenvoltura do jovem, acedeu e recebeu-o para uma audiência de vinte minutos (na foto que encima o artigo).
A carreira política de Kasich teve início com a tenra idade de 26 anos quando, em 1978, se candidatou ao Senado do Estado do Ohio, derrotando o senador estadual democrático contra quem se bateu, e tornando-se o mais jovem senador da história desse estado. Em 1982 deu mais um passo em frente, candidatando-se à Câmara dos Representantes e derrotando, de novo, o respectivo membro em funções. Assim teve início uma carreira de dezoito anos na câmara baixa do Congresso, pois Kasich seria reeleito oito vezes (e sempre com votações de, pelo menos, 64%).
Na Câmara dos Representantes, Kasich teria um papel proeminente, tendo sido membro, durante os seus dezoito anos no lugar, da Comissão das Forças Armadas, na qual adquiriu uma imagem de falcão, mas também de combatente dos gastos supérfluos nas forças armadas. Nessa capacidade, foi um dos participantes mais activos na lei que reorganizaria o Departamento da Defesa, o Goldwater-Nichols Act de 1986. Em 1993 passou também a ocupar o lugar de representante da minoria na Comissão do Orçamento. Aí, chegou a apresentar um plano de reforma da saúde em oposição ao plano elaborado, e eventualmente frustrado, pela então Primeira Dama, Hillary Clinton. Em 1994, foi um de 42 republicanos que apoiaram uma lei anti-armas da Administração Clinton, o Federal Assault Weapons Ban.
Com a conquista das duas câmaras do Congresso pelos republicanos em 1994, Kasich passou a presidente da Comissão do Orçamento, lugar em que atingiu notoriedade nacional, ao tornar-se o principal autor de um acordo com a Administração Clinton, em 1997, que equilibraria o orçamento federal pela primeira vez desde 1969, marco de que Kasich justamente se orgulha, gostando até de dizer que foi "a última pessoa a equilibrar o orçamento".
Entre 2001 e 2009, Kasich voltou à vida privada, escreveu livros e desempenhou vários cargos executivos, incluindo sete anos como director no Lehman Brothers, onde permaneceu até à falência daquela instituição bancária. Deste aparente calcanhar de Aquiles, Kasich defendeu-se dizendo que não ocupava um lugar de destaque e que culpá-lo de alguma coisa seria como culpar um distribuidor da General Motors numa terreola qualquer pelo colapso daquele. gigante da indústria automóvel.
Em 2010, Kasich regressou à vida política ao concorrer - e ganhar - ao lugar de Governador do Ohio, detido pelo democrata Ted Strickland. Mais uma vez, derrotaria um adversário em funções. Foi reeleito em 2014, com 64% contra 33% do seu rival democrático.
Kasich é geralmente considerado um conservador do ponto de vista fiscal e também em questões sociais (tomou várias medidas restritivas do aborto enquanto governador), mas pôs em prática no Ohio medidas que proibem a discriminação com base na orientação sexual. Embora originalmente apoiado pelo Tea Party, a sua implementação de partes do Obamacare criou-lhe adversidades nesse campo. O seu currículo e experiência são talvez os mais completos de todos os candidatos republicanos (ou até, de todos os candidatos, tout court). Mas o seu pragmatismo e os seus instintos independentes criam-lhe barreiras em alguns sectores republicanos.
Perante as dificuldades de Marco Rubio após New Hampshire, a falta de afirmação eleitoral de Jeb Bush, e a desistência de Chris Christie, John Kasich será talvez, neste momento, o candidato que o "establishment" republicano mais se inclinará a apoiar. Mas, para isso, o seu desempenho nas próximas primárias, em terrenos que lhe não são muito propícios, será colocado sob especial escrutínio.