1. Em termos formais, o discurso foi irrepreensível, como é costume. Obama é um excelente orador, cativante e eloquente. Houve além disso maior cuidado em não tornar o texto excessivamente gongórico, ouvindo-se mais "soundbites", frases curtas e expressões coloquiais do que é costume. (Discurso completo aqui).
2. Como seria de esperar, Obama vira ao centro. Piscou os olhos à Direita (controlar o défice, diminuir o peso do Estado, optar por uma reforma fiscal que torne o processo mais transparente e eficiente), sem abandonar por completo a retórica "Democrata" (defendendo um papel do governo federal na promoção da educação e inovação; aludindo à revogação do "don't ask, don't tell"; insistindo na necessidade de construir infra-estruturas com fundos estatais). O tom conciliatório do seu discurso seguiu uma estratégia há muito traçada (nem sempre posta em prática...), embora tenha sido especialmente feliz a crítica à radicalização do debate político.
3. O discurso teve uma forte componente emocional, quase dramática. Numa era turbulenta, Obama insistiu na necessidade de os americanos se unirem e trabalharem em conjunto para superarem os grandes desafios do presente. Entre apelos patrióticos e uma retórica profundamente nacionalista, houve mesmo referências à "luta espacial" dos anos 60 com os russos. O "soundbite" da noite terá sido "This is our Sputnik moment".
4. Poucas foram as propostas concretas. Obama sabe que deixou de controlar o Congresso, estando por isso numa posição frágil para impor as suas opções legislativas. Em todo o caso, revelou algumas prioridades louváveis: congelar os gastos nos próximos cinco anos, sem diminuir a aposta na segurança e na Defesa (um desafio hercúleo), apostar nas energias renováveis (para que, em 2035, 80% da electricidade provenha de energias "limpas"), estabelecer mais acordos comerciais bilaterais (aqui terá forte apoio Republicano), prosseguir e ampliar o "Race to the Top" (um programa de incentivo à competitividade entre escolas, para melhoria dos processos educativos).
5. Na política externa, confirma-se o desejo de começar a retirada do Afeganistão em Julho de 2011, objectivo utópico que as chefias militares têm criticado. Registei uma aproximação à teoria do "globalismo democrático", reafirmado porém num contexto "exemplarista" e não "intervencionista": a América deseja promover e apoiar a democratização em África e na Ásia, mas por meios diplomáticos e não por via das armas. Também se anunciou uma continuidade na promoção do unilateralismo e na expansão de ligações com potências emergentes e novos mercados, particularmente na América do Sul.
6. Em suma, pouco de novo, embora transmitido com o habitual entusiasmo e elegância. O grande desafio só agora começa: uma Administração Democrata (pensando em 2012), um Senado instável, uma Câmara dos Representantes controlada pelos Republicanos. E um desafio impossível (reduzir o défice sem cortar em nenhum programa federal indispensável, numa era de crise económica), para o qual neste momento nem Democratas nem Republicanos têm resposta. Nuvens negras pairam sobre Washington.