20
Jul 17
publicado por Nuno Gouveia, às 22:24link do post | comentar | ver comentários (1)

Sempre entendi a política norte-americana com algum distanciamento, embora tenha maior proximidade histórica e ideológica com o Partido Republicano. Apesar de divergências significativas com a agenda do GOP (sobretudo nas questões sociais e culturais), sempre tive admiração pelo partido de Ronald Reagan e Abraham Lincoln. Este distanciamento não me impede de ter vários Presidentes democratas entre o meu leque de preferidos, como Harry Truman ou Lyndon Johnson (por diversos motivos que não interessam para este artigo). Daí que a eleição de Donald Trump me ter causado uma profunda consternação pelo estado do Partido Republicano e por aquilo que este se transformou. É preciso dizer que isto não começou com Trump: nos últimos anos franjas radicais da direita americana foram ganhando peso no GOP, até que um oportunista, sem ideologia bem definida, o tomasse de assalto com a cumplicidade dos radicais e omissão do sectores tradicionais.

Estes seis meses só terão surpreendido aqueles (como eu) que até  esperavam que o Presidente Trump fosse bastante diferente do candidato. Apesar de escolhas regulares para alguns cargos, como no Pentágono, na ONU ou no Departamento de Estado, os sinais estavam lá todos durante aquela longa campanha que se iniciou em Junho de 2015: a ele tudo faltava para ser Presidente dos Estados Unidos: falta de integridade, de conhecimento, de experiência política e de coerência ideológica. Sim, passados apenas seis meses, tudo isto está mais que comprovado, com consequências nefastas para os Estados Unidos, para as instituições internacionais e para a estabilidade mundial. Com excepção de uma nomeação de um juiz para o Supremo Tribunal, que sucessos podemos apontar à Administração Trump? A resposta é simples: zero. O que temos assistido é a um desenrolar de polémicas, afrontamentos, fracassos ou embaraços causados pelo incrível amadorismo de uma Casa Branca que não estava preparada para governar o país conhecido anteriormente como líder do Mundo livre.

Segundo a média de sondagens do site Real Clear Politics, Trump tem hoje uma taxa de impopularidade de 54%, a mais elevada de sempre num Presidente com apenas seis meses de mandato. Certamente haverá muitos aspetos que poderia destacar da Presidência Trump, mas apontaria para três: amadorismo; nacionalismo; isolacionismo.

A forma como a Casa Branca tem lidado com alguns dossiês tem evidenciado um amadorismo que se explica pela inexperiência política dos seus membros. Era recorrente os Presidentes preencherem lugares-chave com um misto de homens de confiança e veteranos de anteriores administrações. Foi assim com todos os anteriores Presidentes, mas não com Trump: em vez de convidar alguns elementos de anteriores administrações, como fez Obama ou W. Bush, por exemplo, Trump convidou um bando de neófitos na gestão política e quase ninguém com experiência em cargos políticos executivos. O resultado está à vista e episódios como a proibição da entrada de cidadãos de certos países islâmicos (entretanto revista), as constantes fugas de informação da Casa Branca, as tentativas de encobrimento dos contactos com a Rússia, a demissão de Michael Flynn, são apenas alguns casos. Por exemplo, neste momento, a administração Obama apenas nomeou 197 pessoas para cargos públicos que precisam de passar no Senado, sendo que apenas 46 foram aprovados. Estes números têm paralisado parte do Estado e comparam muito negativamente com as anteriores administrações. Por exemplo, Obama neste período já tinha nomeado 323 e confirmado 183. Este amadorismo que temos sentido sente-se também na fraca capacidade para liderar uma agenda transformadora no país, sendo que apesar da grande maioria que o GOP tem nas duas câmaras, ainda não conseguiram aprovar nenhum pacote legislativo significativo: a reforma fiscal e a reforma da saúde estão paradas. Mas o maior amador é o próprio Donald Trump, que tem cometido erros e gafes que embaraçariam um outro qualquer Presidente. 

A vertente nacionalista do discurso republicano contrasta também com o passado do partido: a defesa do excepcionalismo americano tem sido uma imagem de marca do GOP moderno, mas os elementos nacionalistas e radicais sempre estiveram afastados do discurso político dos seus líderes. Bastará recordar o que diziam Ronald Reagan, os Bush ou mais recentemente John McCain e Mitt Romney. À retórica republicana sempre esteve subjacente aos valores da liberdade, da democracia e da tolerância. Com Trump, a retórica (e a prática) alterou-se substancialmente: já não há uma defesa do excepcionalismo americano, mas sim do poder, da força e do nacionalismo americano. Não é por acaso que os sectores radicais e da extrema-direita americanos se aproximaram do actual GOP, com consequências imprevisíveis para o futuro, enquanto os sectores mais centristas se contorcem para não quebrar de vez com Trump, apesar das críticas que vão lançando. Ainda recentemente, os senadores Marco Rubio, John McCain e Lindsay Graham foram os mais violentos nas críticas que lançaram ao encontro entre Trump e Putin. Como observamos recentemente na viagem de Trump à Europa, os Estados Unidos têm hoje mais semelhanças com países e partidos liderados por nacionalistas, como a Polónia ou a Rússia ou as lideranças do UKIP britânico ou a Frente Nacional da Senhora Le Pen, do que com as democracias liberais e os seus antigos aliados. As palavras democracia e liberdade quase desapareceram do discurso político da atual administração, o que contrasta bastante com o passado recente. E aqui, a retórica diz muito.  

Por outro lado, esta aproximação de Trump a movimentos nacionalistas e não democráticos também nos leva ao terceiro sintoma grave dos últimos seis meses: o isolacionismo dos Estados Unidos de Trump, que já não pode ser considerado o líder do mundo livre, como acontecia desde a II guerra mundial. Num mundo em rápidas alterações, a estabilidade e segurança providenciada pelos americanos terminou com Trump. É evidente que já havia sinais dessa degradação do papel americano no mundo, mas nunca como hoje se viu os Estados Unidos tão isolados nas relações internacionais: sejam em questões com as alterações climáticas, o comércio livre ou até mesmo na NATO. Hoje já não são considerados pelos aliados como um parceiro confiável. Trump tem uma liderança que tem hostilizado os aliados tradicionais (caso do Canadá, da França, da Austrália ou da Alemanha), ao contrário de países tradicionalmente adversários, como é o caso da Rússia ou da China. A estratégia de Trump parece ser construir uma ordem mundial baseada em relações e acordos bilaterais, esquecendo as relações multilaterais que foram construídas nos últimos 70 anos. É preciso regressar aos anos 20 do século passado para encontrarmos uns Estados Unidos tão isolados do resto mundo. Nem nos anos da intervenção do Iraque assistimos ao isolamento visto recentemente na cimeira do G20. Em 2002/2003, e com divisões acentuadas sobre a intervenção do Iraque, Bush manteve ao seu lado diversos aliados, como o Reino Unido, a Espanha, os países de Leste ou a Austrália. Se Bush, talvez o anterior presidente menos consensual das últimas décadas, dividia os aliados, Trump tem conseguido unir os seus aliados: mas contra os EUA. Esta ausência de liderança internacional pode estar a ter o condão aparente de unir os responsáveis europeus, mas as brechas que se começam a sentir (como na Polónia ou na Hungria) podem a curto-médio prazo constituir uma preocupação para nós, europeus. Mas mais preocupante do que isso, até é a total ausência de pensamento estratégico nas relações entre estados em plataformas multilaterais, o que poderá redundar em acordos bilaterais entre potência (como a Rússia ou a China) que venham a prejudicar países terceiros e antigos aliados, como acontecia na era das grandes potências anteriores à Segunda Guerra Mundial. Trump pode vir a ser o catalisador do fim daquilo a que antes chamávamos mundo livre ou o Ocidente, dando lugar a uma nova ordem internacional mais perigosa, mais instável e mais insegura.


29
Abr 17
publicado por Nuno Gouveia, às 13:52link do post | comentar | ver comentários (1)

Os primeiros 100 dias de Trump não desiludiram: depois de uma campanha caótica que o levou à Casa Branca, a sua governação manteve o ritmo alucinante de controvérsias. Bem sei que quando falamos em 100 dias, estes parecem uma eternidade dado o número de situações que já ocorreram na Administração Trump. Uma demissão de um Conselheiro Nacional, investigações sobre uma perigosa relação com a inimiga Rússia de Putin, uma fracassada tentativa de derrubar a Obamacare ou a também falhada ordem executiva de impedir cidadãos de sete países islâmicos de entrarem nos Estados Unidos. Ao lado de tantos fracassos e polémicas, Trump também coleccionou algumas vitórias, como a nomeação de Neil Gorshuch para o Supremo Tribunal ou o bombardeamento da Síria, que recebeu apoios de todos os quadrantes políticos norte-americanos. Estes primeiros dias foram medíocres mas há motivos para esperar que as coisas melhorem.

O que não surpreendeu em Trump foi a sua profunda inabilidade para lidar com assuntos que desconhece, a sua ignorância sobre a diplomacia e a política internacional ou a sua falta de preparação para o cargo. Nada disto foi novidade. Tal como também não surpreendeu a agressividade que a ala nacionalista da Casa Branca, liderada por Steve Bannon, incutiu nos primeiros dias da Administração, levando a fracassos como a proibição da entrada a islâmicos de alguns países ou diversas situações de guerrilha interna que vieram cá para fora. Mas se afirmar que a Administração Trump pouco concretizou nestes primeiros 100 dias significa muito pouco (normalmente existem medidas simbólicas e pouco mais), o mais significativo deste período foi mesmo o amadorismo que Trump e a sua equipa demonstrou, colocando em evidência tudo aquilo que muitos sempre disseram.

Mas se me parece justo dizer que Trump nunca será um Presidente convencional, também podemos dizer que Trump não é nenhum ditador e nem actuará como um fascista qualquer, como muitos dos seus detratores o apelidavam. Depois de umas primeiras semanas verdadeiramente caóticas, Trump evoluiu alguma coisa e demonstrou que tem aprendido com o cargo. Governar e lidar com a realidade é bem diferente de defender soluções simplistas e simplórias. Basta recordar algumas das reviravoltas que já deu nestes primeiros três meses, pois a NATO deixou de ser obsoleta, a Rússia de ser um potencial aliado, a China de manipular a moeda, Assad de ser um elemento estabilizador, a NAFTA afinal é para renegociar e não para abandonar ou a construção do muro com o México afinal já não ser urgente. E por aí podíamos continuar. Mas Trump também também evoluiu no relacionamento com os seus colaboradores, pois tem dado liberdade aos mais experientes, como Nikki Haley na ONU, James Mattis no Pentágono ou ao general McMaster para o ajudarem a definir políticas. E tem havido sinais consistentes que a linha dura de Bannon está a perder a batalha pela governação, ao mesmo tempo que vários políticos tradicionais do Partido Republicano têm moderado a sua oposição a Trump. E, curiosamente, depois de tantas críticas ao nepotismo de ter nomeado a filha Ivanka e o genro Jared Kushner, estes têm sido dos elementos mais centristas e moderadores da linha nacionalista na Casa Branca.

Trump vai continuar a ser um presidente bombástico; certamente o seu Twitter será um elemento estranho e provocador; nunca ganhará a eloquência ou a elegância que todos queríamos ver num POTUS; e continuará a fazer muitas asneiras e a dizer coisas esquisitas. Mas se Trump for realmente "amestrado" pelo establishment, como tem dado sinais disso, talvez consiga ser um presidente Ok. Sim, porque isso é mais optimista que consigo ser neste momento.


19
Jan 17
publicado por Nuno Gouveia, às 20:06link do post | comentar | ver comentários (5)

Esta é a pergunta que tem dominado quase as conversas sobre a próxima administração americana, persistindo o pessimismo e o desânimo. E se a campanha americana tinha deixado a comunidade internacional alarmada com Donald Trump, as semanas que passaram após a sua histórica vitória de Novembro contribuíram para aumentar esse negativismo. A sua postura continua errática e imprevisível, tecendo declarações que revelam perigosos sinais, sobretudo para os aliados de sempre dos Estados Unidos, sejam eles da Europa, da Ásia ou das Américas.

 

Não acrescentarei muito se disser que as relações com os seus aliados da Nato preocupam todas as chancelarias europeias, sobretudo os países de leste que se sentem ameaçados pelo urso Russo, os vizinhos México e Canadá, que estão em estado de alerta sobretudo devido às críticas ao Nafta e a insuportável insistência que o México irá pagar o muro, ou ainda a ameaça de guerra comercial à China que não interessa a ninguém, sobretudo aos seus vizinhos asiáticos. Para nós europeus, sobretudo aqueles que acreditam na estabilidade de instituições como a NATO e a União Europeia, que valorizam um possível acordo de comércio livre com os Estados Unidos ou que estão assustados com a ascensão do nacionalismo e do populismo na Europa, é sobretudo preocupante verificar que um líder dos Estados Unidos elogia abertamente movimentos populistas como o de Nigel Farage ou Marine Le Pen, que ameaça a indústria europeia com novas barreiras alfandegárias e que ataca a União Europeia, dizendo até que mais países deverão abandonar a UE.

 

Mas prefiro centrar este artigo nas barreiras que Trump terá para impor a agenda que tem apregoado. Não sei se será possível ter sequer algum tipo de optimismo. Muito provavelmente tudo correrá mal e Trump continuará a actuar como Presidente com este estilo bombástico e de desprezo pelos valores e pelos ideais que os Estados Unidos sempre representaram no Mundo. Nas últimas semanas, alguns nomeados de Trump e que terão fortes responsabilidades na condução da política externa norte-americana, teceram declarações que representam alguns bons sinais, entrando em contradição frontal com Trump.

 

Esta semana Nikki Haley, nomeada para Embaixadora dos Estados Unidos na ONU, disse que a Rússia não é confiável, condenou a invasão da Crimeia, criticou a intervenção russa na Síria e discordou do levantamento das sanções a este país enquanto não oferecer nada em troca. E, ao mesmo tempo que condenou a posição de Obama em relação à condenação de Israel na ONU no mês passado (tal como aliás o Partido Republicano e muitos senadores Democratas), defendeu a solução de dois estados para Israel e Palestina.

 

Mais surpreendente foram as declarações de Rex Tillerson na audição no Senado para Secretário de Estado e que terá, inclusive, suscitado algum desânimo em Moscovo. O antigo CEO da Exxon Mobil, considerado próximo da Rússia, afirmou que esta representa um perigo, que invadiu a Crimeia é ilegal, que apoiou as forças sírias que de forma brutal violaram as leis da guerra e acrescentou ainda que os aliados da NATO estão certos ao terem receio da Rússia. E acrescentou ainda que é necessário promover uma reconciliação com a Turquia, que devido à ausência de uma verdadeira liderança americana, aproximou-se da Rússia. Tillerson pronunciou-se ainda sobre os ataques cibernéticos russos, ao afirmar que são preocupantes, ao mesmo tempo que propôs medidas para apoiar a Ucrânia, nomeadamente através da cedência de armas. Mas Tillerson disse ainda outras coisas, como não se opor ao Acordo de Comércio Livre com a Ásia-Pacífico (TPP) e apoiar genericamente acordos de comércio livre. Não é certo que Tillerson seja aprovado no senado, até porque vários republicanos têm várias reservas à sua nomeação, como Marco Rubio, John McCain e Lindsay Graham. Mas desde que foi conhecido que é apoiado por figuras como Condoleezza Rice do Robert Gates, as suas hipóteses aumentaram e talvez estes apoios também signifiquem que não vá ser um simples yes man da absurda retórica de Trump.

 

James Mathis, que foi esta quarta-feira confirmado como novo Secretário da Defesa no senado (26 votos a favor, 1 contra), também entrou em contradição com as ideias de Trump, dizendo mesmo que a Rússia e o ISIS são as grandes ameaças externas aos Estados Unidos, surpreendendo ao ponto de afirmar que são os russos a principal ameaça. O general Mathis, que trabalhou na NATO, defendeu também a importância da aliança atlântica e acusou a Rússia de pretender “destruir a aliança militar de maior sucesso da história”, reforçando a ideia que é fundamental a defesa dos países bálticos e travar a ameaça russa. No mesmo dia, Mathis foi secundado em muitas destas opiniões por Mike Pompeo, novo director da CIA.

 

É evidente que muitas destas declarações não podem ser desligadas do local onde foram feitas: no Senado, onde precisavam de convencer os senadores a aprovarem a sua nomeação. Seja verdade (no caso de Nikki Haley, Mike Pompeo e James Mathis é, pois sempre defenderam isso) ou mentira (ninguém conhecia o pensamento de Rex Tillerson sobre estas matérias), estes nomeados tiveram a necessidade de enfatizar estas posições no Senado precisamente porque são as opiniões da maioria dos senadores, sejam republicanos ou democratas. E isso revela a dificuldade que Trump terá em impor a sua agenda disruptiva na política externa norte-americana: grande parte dos eleitos a nível federal nos EUA discordam veementemente das ideias de Trump e o establishment dos dois partidos também. Sabemos que isso não impediu Trump de vencer as eleições, e apesar do que defendem os escolhidos para o Pentágono, Langley, ONU ou Departamento de Estado, terão eles capacidade de influenciar decisivamente Trump? Provavelmente a resposta é não e a política externa dependerá quase exclusivamente dos interesses e dos desejos do novo presidente. Mas se ninguém conseguir influenciar positivamente a agenda da Administração Trump, então provavelmente teremos razões para estar muito preocupados com os próximos quatro anos.


12
Jan 17
publicado por Nuno Gouveia, às 00:46link do post | comentar | ver comentários (1)

 

“If Putin likes Donald Trump, I consider that an asset, not a liability.”

 

Ter um Presidente a falar dele próprio na terceira pessoa é mais uma novidade. Mas esta frase revela muito do que a presidência Trump pode representar para os Estados Unidos e para o Mundo. Se Trump acredita que Putin gosta mesmo dele e que por isso vai deixar de defender os interesses da Rússia (e tantas vezes antagónicos dos Estados Unidos e dos seus aliados), é um perigoso ingénuo. Se diz estas coisas sem pensar nelas apenas para enganar as pessoas, então é um perigoso pateta alegre. 

Não sou daqueles que considera que Obama teve um mandato excepcional. Bem pelo contrário, penso que na frente externa, e isso é o que mais relevo, Obama fracassou e deixou um mundo é bem mais perigoso daquele que encontrou em 2008. O “Lead from behind” foi um fiasco na Líbia e no Médio Oriente e o “reset button” com a Rússia permitiu a Putin fazer o que bem entendeu na Ucrânia e na Síria. Mas Obama não criou nenhuma disrupção na política externa americana das últimas décadas e desempenhou um papel importante para os seus aliados. Manteve a democracia americana como um exemplo e promoveu os valores da liberdade e da democracia. Mas Trump ameaça este legado. A conferência de imprensa dele de ontem deixou sérios avisos (como em toda a campanha) que a democracia americana vai ter lutar muito para manter a sua vitalidade.

Nesta sua primeira conferência de imprensa depois de ter sido eleito, e após semanas a criticar os serviços de inteligência (não me recordo de ver um presidente criticar e enfraquecer desta forma os serviços de espionagem) sobre os hackers russos, Trump hoje lá admitiu que provavelmente tinham sido os russos. Mas é inacreditável que ele próprio, que já tinha tido acesso às provas que a CIA lhe tinha mostrado, mesmo assim tenha continuado a negar esta evidência. Até hoje. Poderá cumprir eficazmente a sua função de Presidente quando não confia nos serviços de inteligência e que estes próprios desconfiam do Presidente? Será que Trump vai confiar nas informações dos “nazis” da CIA?

Trump continuou nesta conferência de imprensa a alimentar a fábula que o México vai pagar a construção muro da fronteira, mas que não vai esperar que eles o assumam, e que apenas irão reembolsar os Estados Unidos à posterior. Devia ouvir ou ler o que diz o antigo Presidente mexicano Vicent Fox sobre esta matéria. Aprenderia alguma coisa.

Como candidato a déspota, atacou a CNN e ameaçou colocar um jornalista fora da sala. Para perceber esta polémica, a CNN publicou uma noticia sobre relatórios dos serviços de inteligência sobre a sua relação com a Rússia de Putin, mas ao contrário do site Buzzfeed, a CNN não publicou informações não confirmadas. Mas se Trump não responde a meios de comunicação social que publicam noticias desagradáveis, provavelmente acabará o mandato a falar apenas para a Fox News, Drudge e Breitbart. Muito mau sinal para a liberdade de imprensa.

Destaque também para a política económica de Trump, que parece ser uma espécie de mistura entre populismo e socialismo económico e que devia envergonhar o Partido Republicano. A imposição de taxas aduaneiras às empresas que produzem fora dos Estados Unidos, aliada ao proteccionismo económico e oposição aos acordos de comércio livre, como a NAFTA e o TPP (que por acaso hoje teve um defensor em Rex Tillerson), permite-nos esperar uma política económica perigosa para os Estados Unidos, mas também para o Mundo. A frase “vou ser o maior criador de empregos que Deus alguma vez criou” poderia ter sido dito por um qualquer líder soviético, mas não, foi Donald Trump, líder do Partido Republicano de Reagan, que defendia que são “as pessoas e não o governo produz crescimento económico e emprego”.

Trump é algo de novo na política norte-americana. Tem-no sido desde o anúncio da sua candidatura presidencial, que tantos ignoraram e desvalorizaram (eu fui um deles). Tem baixado o nível do debate político e poderá ser um perigo para a democracia americana. Nos próximos quatro anos veremos se surprende pela positiva ou corresponde às baixas expectativas.

 

PS: a nove dias da tomada de posse de Trump, começo uma série de textos sobre a sua presidência.


21
Jul 16
publicado por Nuno Gouveia, às 21:13link do post | comentar | ver comentários (9)

 

Ted Cruz está nos antípodas do que defendo. Aliás, a sua carreira política desde 2012 está intimamente ligada ao descalabro em que caiu o Partido Republicano. Assumiu posições polémicas e muito longe do centro-direita que defendo. Mas ontem conquistou algum do meu respeito, ao deslocar-se à Convenção do Partido Republicano e ter proferido um discurso anti-Trump (sim, defendeu algumas coisas que discordo) em que muitas passagens estão de acordo com o conservadorismo tradicional americano, como o respeito pela liberdade religiosa e pelos diferentes credos (ou ateísmo, como ele referiu) ou na defesa da liberdade individual e das minorias contra o poder dos aprendizes de tiranos. Até teve algumas passagens contra o divisionismo da sociedade americana para que ele tanto tem contribuído. Não sei se terá sido um mea culpa. Mas o grande momento (diría único) da sua carreira foi ontem, quando perante assobios de uma assistência de "Trumpians" recusou-se a apoiar Trump e defendeu que as pessoas deviam votar segundo a sua consciência. Saiu sob um ruidoso coro de criticas, mas um dia poderá dizer que não pactuou com Trump. Muitos outros republicanos não poderão dizer o mesmo. E apesar de esperar que Cruz nunca venha a ser o líder do Partido Republicano, ontem esteve bem e merece o meu aplauso. Dizer não a um proto-tirano na sua cara nunca é fácil, mas Cruz fê-lo. Não deixa de ser sintomático que até a sua esposa teve de ser escoltada para sair da Convenção, pois estava a ser alvo da fúria dos "Trumpidians". Eu, que estive nas duas últimas convenções republicanas, lamento profundamente o circo de horrores que está a ser esta convenção. Que em Novembro Trump tenha uma derrota avassaladora é o meu único desejo.

 

 
 

04
Mai 16
publicado por Nuno Gouveia, às 20:34link do post | comentar | ver comentários (11)

A democracia liberal americana sofreu um duro revés com um dos seus dois maiores partidos a ser capturado por um populista demagogo como Donald Trump. Não tenhamos ilusões: este já não é o partido de Reagan e a partir de agora será uma outra coisa bem diferente. Resta saber se em caso de derrota em Novembro se poderá salvar ou continuará com esta linha. Tudo permanece incerto e não me arrisco a fazer prognósticos. A nomeação garantida ontem por Trump marca o fim de uma era no Partido Republicano, marcada pelo conservadorismo social, liberalismo económico e uma ideia de Estados Unidos intervencionista no mundo. Donald Trump não é conservador, não respeita a liberdade económica e a sua posição externa dependerá muito dos seus estados de alma. Como dizia há dias um conservador americano, o Partido Republicano de Trump é algo muito semelhante à Frente Nacional, com um discurso xenófobo e misógino, contra os estrangeiros e tudo o que "cheire" a diferente. Tanto tomará posições à esquerda, como no proteccionismo económico que tem vindo a defender, como radizalizará à direita, como são as suas posições demagogas sobre os imigrantes.

 

Donald Trump "suspendeu" o Partido Republicano moderno. É verdade que nos últimos anos, o radicalismo tomou conta de várias franjas do partido, e havia vários sinais disso. Mas se atentarmos aos dois últimos nomeados, a liderança do partido não tinha mudado assim tanto. John McCain e Mitt Romney não eram assim tão diferentes, em termos ideológicos, de Ronald Reagan ou dos Bush, os três últimos presidentes republicanos. Mas o que se passou nestas primárias foi um verdadeiro filme de terror com esta mudança radical na liderança do GOP, que concretizou os sintomas dos últimos anos: figuras com Sarah Palin e Michele Bachmann chegaram a ser imensamente populares na base do partido; apresentadores radicais de rádio, como Sean Hannity, Rush Limbaugh ou Laura Ingraham são vozes autorizadas na base do partido. A grande surpresa foi que estes que se clamavam representantes do "verdadeiro conservadorismo" não apoiaram o candidato que aspirava a ser o verdadeiro conservador nas primárias, o senador Ted Cruz. Não, os mesmos que juraram durante anos fidelidade ao verdadeiro conservadorismo acabaram por apoiar um antigo democrata que doara centenas de milhares de dólares aos democratas e aos Clinton, e que sempre assumira posições contra os conservadores até há bem poucos anos. Os demagogos e os puristas são sempre assim: o seu oportunismo acaba sempre por se revelar. 

 

O Partido Republicano partiu para esta campanha eleitoral cheio de esperanças depois da vitória eleitoral nas eleições intercalares de 2014. Depois de oito anos de Barack Obama na Casa Branca, as expectativas de recuperar a Presidência eram legítimas. Um partido cheio de novas caras capazes de entusiasmar a sociedade americana: desde o jovem descendente de cubanos, Marco Rubio ao governador estrela do “blue state” Wisconsin que tinha “dobrado” a espinha aos sindicatos e ganho três eleições em quatro anos, Scott Walker. Ao lado, candidatos credíveis e tradicionais, como Jeb Bush, do poderoso clã que já deu dois presidentes à América, e John Kasich, o influente e popular governador do Ohio. Historicamente, as perspetivas eram ainda melhores. Desde a saída de Harry Truman em 1952 que o Partido Democrata não consegue ter dois presidentes consecutivos e desde então, apenas uma vez um partido venceu três eleições consecutivas, entre 1980 e 1988, com Ronald Reagan e George H. Bush. Do outro lado, uma agastada Hillary Clinton, afetada por diversos escândalos, era a única candidata viável, depois de oito anos de Obama em que a única “estrela” que apareceu, Elisabeth Warren, rapidamente anunciou que não seria candidata. Estava tudo reunido para o que o Partido Republicano tivesse fortes hipóteses de vencer as eleições presidenciais de 2016, com um candidato credível e capaz de regenerar um partido ainda agastado pela presidência de George W. Bush. 

 

Se depois do que aconteceu nos últimos meses, não digo que Trump está destinado a ser derrotado (devemos aprender lições do passado), mas ele parte para estas eleições muito fragilizado, sendo o candidato mais impopular de sempre a chegar às eleições gerais e parte muito atrás de Hillary Clinton, como indicam quase todas as sondagens. Mas este Partido Republicano de Trump não é conservador nem liberal (no sentido americano). É populista e demagogo, e agirá sempre de acordo com os estados de alma de Trump. E nada é mais perigoso que um grande partido num grande país ser dominado por um populista. 

 

PS: Com a nomeação de Trump, veremos muitos que o renegaram nestes últimos meses a colocarem-se atrás dele. A vida partidária é assim mesmo.

 


publicado por Alexandre Burmester, às 15:25link do post | comentar | ver comentários (3)

 

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E, finalmente, o adjectivo "inevitável" aplica-se sem discussão a Donald Trump. Ao vencer a primária do Indiana, um estado, do ponto de vista teórico,  geográfica e demograficamente adverso às suas pretensões, e por uma clara margem de 53%-37% sobre Ted Cruz, Trump terminou efectivamente com a discussão, e Cruz, inclusivamente, retirou-se da corrida.

 

No último mês, mas particularmente nas duas últimas semanas, houve uma clara deslocação de intenções de voto entre os republicanos para o magnata dos casinos. Até à primária de Nova Iorque, a 17 de Abril, Trump nunca conseguira atingir os 50% dos votos, pelo que se argumentava que ele tinha um limite entre os 35% e os 40%, e que era beneficiado pelo facto de não enfrentar uma oposição unida, o que era verdade e tinha especial incidência nos estados que atribuem a totalidade dos seus delegados ao vencedor da respectiva primária . Pode argumentar-se que Nova Iorque e os cinco estados que votaram na semana passada faziam parte do hinterland de Trump, em particular Nova Iorque, seu estado natal e de residência. Mas o Indiana é um caso completamente diferente.

 

A que ficou, então, a dever-se esta súbita mudança de uma parte substancial do eleitorado republicano? A primeira, e mais óbvia, explicação, é esse eleitorado ter-se finalmente rendido à mensagem e discurso de Trump. Será uma explicação óbvia, mas não me parece a mais provável ou a mais importante. É difícil tanta gente mudar de opinião em tal matéria em tão pouco tempo. Provavelmente, outros factores tiveram mais peso. Desde logo, a famosa dinâmica da campanha, o momentum. Não só Trump venceu os seis estados atrás referidos, como o seu principal opositor ficou em terceiro em cinco deles. Nesta fase das primárias, ficar em terceiro não é propriamente a maneira mais fácil de mobilizar o respectivo eleitorado. E a percepção da dinâmica de uma competição é muito importante. Ted Cruz terá errado ao empenhar-se pouco nas campanhas nesses estados, pensando que os eleitorados de primárias posteriores seriam imunes aos respectivos resultados. Porque não há muitas dúvidas de que, se a primária do Indiana tivesse tido lugar há três semanas, por exemplo, Trump dificilmente a teria ganho e, muito provavelmente, tê-la-ia perdido, tal como perdera, e com clareza,  no Wisconsin. A juntar a isto, temos o cansaço do eleitorado com o arrastar da decisão sobre quem seria o candidato republicano e, talvez mais importante, a aversão de muitos a uma convenção disputada, especialmente a uma na qual o candidato com mais votos e delegados poderia vir a ver-lhe negada a nomeação. E as notícias sobre a luta surda na angariação de delegados, na qual o campo de Ted Cruz estava a ser muito bem sucedido, podem ter criado no eleitorado a sensação de que a importância dos seus votos estava a ser secundarizada, em favor dos jogos de bastidores.

 

Seja como for, e embora Trump esteja ainda aquém da maioria dos delegados vinculados, isso trata-se agora de uma questão académica. John Kasich, curiosamente, ainda nada disse sobre o resultado de ontem, mas mesmo que se mantenha na corrida, não se afigura que consiga travar a marcha imparável de Trump para a nomeação automática.

 

A questão agora será essencialmente até que ponto os republicanos, muitos dos quais detestam Trump visceralmente, serão capazes de se unirem em torno da sua candidatura. O único factor capaz de conseguir tal feito será o nome da candidata democrática, a qual atinge níveis de repulsa entre o eleitorado republicano que, em comparação, fazem de Trump popularíssimo. Diga-se que não há memória de dois candidatos com índices negativos tão grandes entre o eleitorado geral.

 

Finalmente, a habitual palavra para Bernie Sanders, cuja campanha insurreccional não tem tido o devido destaque, principalmente por causa do inusitado fenómeno-Trump. Mais uma vez desafiando as sondagens, Sanders venceu o Indiana (53%-47%). E há dias garantiu que a convenção democrática será uma convenção contestada, pois não está disposto a abandonar a corrida, e o grande número de super-delegados na convenção democrática está a impedir a antiga Secretária de Estado de garantir a maioria antes da convenção, devido também, claro, ao forte desempenho de Sanders.


02
Mai 16
publicado por Alexandre Burmester, às 16:17link do post | comentar | ver comentários (1)

 

 

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Desde as mais recentes vitórias de Donald Trump - as obtidas em seis primárias no Nordeste - que se vem notando uma atmosfera de resignação, de alto a baixo, no Partido Republicano. O fervor anti-Trump de semanas anteriores parece estar a abater, e uma espécie de realismo, também em nome da unidade do partido, começa a fazer-se sentir.

 

Efectivamente, a até agora escassa lista de apoiantes de Donald Trump entre a elite republicana, embora continue magra, tem tido a adição de alguns membros da Câmara dos Representantes, a qual, ao que consta, poderá vir a aumentar no caso de uma vitória do magnata novaiorquino na primária de amanhã no Indiana. E na crucial luta pelos delegados em caso de convenção aberta - uma a que nenhum candidato chega com a maioria dos delegados - alguns dos que pareciam firmes no campo de Ted Cruz, parecem estar  agora a oscilar.

 

A invulgar indecisão da campanha das primárias - há 40 anos que não há uma convenção aberta - estará já a saturar muita gente no G.O.P., e muitos, mesmo sem particular entusiasmo pelo homem que lidera a corrida, parecem estar a coalescer em torno dele, basicamente porque desejam evitar uma convenção caótica que poderia afectar seriamente a unidade do partido para as eleições de Novembro. E isto, mesmo perante a possibilidade de uma nomeação de Trump poder não só significar uma derrota pesada, como colocar em risco a maioria republicana no Senado, cerca de um terço do qual será renovado em Novembro, sendo a maioria dos lugares em disputa actualmente detida por republicanos, muitos deles eleitos na onda anti-Obama de 2010 (os mandatos no Senado são de seis anos).

 

Recentemente, Trump tem adoptado uma postura mais moderada, do ponto de vista retórico e em comparação com os seus anteriores padrões, e até apresentou a sua visão sobre política externa a convite do Center for the National Interest (CFTNI), o antigo Nixon Center, um think-tank criado por Richard Nixon e Henry Kissinger em defesa do "realismo" em política externa, em contraste com os intuitos mais belicistas dos neoconservadores. Ou seja, parte do establishment, mesmo estando longe de estar convencido das qualidades de Trump e das suas possibilidades eleitorais em Novembro, parece estar a adoptar uma atitude apenas realista perante ele. Diga-se, contudo, que a diferença de Trump para Hillary Clinton, num hipotético confronto entre os dois em Novembro, tem vindo a cair, havendo até sondagens recentes que os colocam praticamente lado a lado, uma das quais apurou haver mais democratas dispostos a votarem em Trump, que republicanos em Clinton.

 

Por trás do "novo Trump" e dos seus ganhos entre o establishment está o dedo do seu mais recente guru, Paul Manafort , um homem que, positivamente, não brinca em serviço, e que será talvez a única pessoa capaz de fazer eleger o magnata. Entre os seus clientes contaram-se Mobutu Sese Seko, Ferdinand Marcos, Teodoro Obiang e Viktor Yanukovych, não propriamente uma galeria de democratas, mas um símbolo da atracção exercida pelas artes mágicas de Manafort. Mais prosaicamente, Gearld Ford, Ronald Reagan, ambos os Bush e John McCain também recorreram aos seus serviços.

 

Outro factor importante nesta aparente aquiescência do establishment republicano, ou de parte dele, em torno de Trump é a alternativa: Ted Cruz. É que, de facto, para muitos membros do tão decantado establishment, trata-se de um caso de "venha o diabo e escolha", pois o senador texano é uma figura que colhe a quase unanimidade em termos de (im)popularidade nesse meio, nomeadamente entre os seus colegas do Senado, altamente críticos das suas tácticas naquela assembleia. Além disso, Cruz é a personificação do político apoiado pelo Tea Party, uma entidade que conta nas suas características uma feroz oposição ao status quo de Washington. Isso, contudo, também lhe garante uma vasta rede de operacionais no terreno, para os quais o purismo ideológico conservador transcende a unidade do partido e Donald Trump é um verdadeiro anátema.

 

O próximo combate, no Indiana, será decisivo para Cruz. Os últimos números das sondagens são pouco propícios às suas aspirações, mesmo depois do seu acordo com John Kasich e da sua escolha de Carly Fiorina para "running mate". A partir de 4ª feira, Trump poderá tornar-se mesmo "inevitável". E daí...

 

 


28
Abr 16
publicado por Alexandre Burmester, às 16:33link do post | comentar

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No domingo passado, as campanhas de Ted Cruz e John Kasich anunciaram uma espécie de acordo com especial incidência na primária do Indiana no próximo dia 3 (o acordo também se estende ao Novo México e ao Oregon, mas a atribuição proporcional de delegados nesses dois estados torna-o menos importante aí). Essa súbita aliança foi por muitos interpretada como sinal de desespero das duas campanhas nos seus esforços em barrarem o caminho a Donald Trump.

 

Entretanto, tiveram lugar cinco primárias em estados do Nordeste, todas ganhas por Trump com larga vantagem. Nada de imprevisível sucedeu nessas eleições, mas a "narrativa" é sempre influenciada pelos resultados eleitorais, com a tendência e tentação dos media em utilizarem adjectivos como "inevitável", "imparável", etc., para descreverem a campanha do vencedor.

 

E ontem, num comício em Indianapolis, Cruz sacou, digamos assim, um coelho da cartola: numa acção sem precedentes a esta distância da convenção, especialmente para um candidato que não lidera a corrida, anunciou Carly Fiorina como sua escolha para candidata a Vice-Presidente, no caso de ser ele o nomeado republicano.

 

É fácil classificar esta iniciativa como "desesperada" (o que não quer dizer que o não seja, claro), mas será mais interessante tentar analizar-se o que Fiorina poderá trazer ou não à campanha de Cruz. Foi CEO da Hewlett-Packard (com um desempenho sobre o sofrível, segundo muitas opiniões), candidata derrotada ao Senado pela Califórnia em 2010 (estamos, contudo, a falar de um estado cada vez mais dominado pelos democratas) e foi um dos inúmeros candidatos republicanos no início das primárias deste ano. Nos debates, deixou boa impressão e foi um dos primeiros republicanos a atacarem Trump seriamente (também tinha sido uma das primeiras vítimas da língua viperina do bilionário novaiorquino, diga-se). Debate bem, tem uma visão positiva das coisas e é conservadora. Mas, tirando uns breves instantes depois dos primeiros debates em que participou, a sua popularidade nunca foi grande, e acabou por desistir depois de um desempenho fraco no New Hampshire. Em Março declarou o seu apoio a Ted Cruz, e desde então tem feito campanha pelo senador do Texas. E, claro, é mulher e é da Califórnia, e isso decerto terá pesado na decisão de Cruz, embora o peso de Fiorina no eleitorado californiana seja duvidoso.

 

Não creio que esta escolha possa ter algum peso importante na primária do Indiana, mas é possível que, apesar de tudo, algum venha a ter na da Califórnia, a 7 de Junho. Além disso, se Cruz for o nomeado republicano, Fiorina poderá ser útil na campanha contra Hillary Clinton, que poderá atacar sem correr o risco de imediatamente receber como resposta o epíteto de "sexista".

 

Richard Nixon, um homem que sabia muito destas coisas, disse um dia que um candidato vice-presidencial pouco pode favorecer uma candidatura presidencial, mas em contrapartida, pode prejudicá-la grandemente. Não me parece que Fiorina possa vir a cair na segunda categoria, mas quanto à primeira, estou com Nixon. Mas, essencialmente, a oportunidade da sua escolha tem em vista o que resta das primárias e a luta pela nomeação.


27
Abr 16
publicado por Alexandre Burmester, às 13:53link do post | comentar

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 Indiana Wants Me

 

E depois das primárias de ontem, em cinco estados do Nordeste, tudo parece ir depender do Indiana, mais para os opositores de Donald Trump que para ele próprio, diga-se

 

Os resultados no campo republicano no Connecticut, Delaware, Maryland, Pensilvânia e Rhode Island não fugiram ao previsto, embora, tal como na semana passada em Nova Iorque, Trump tenha excedido as percentagens previstas. E confirmou-se a maioria dos votos nos cinco estados, à semelhança de Nova Iorque, que tinha sido o primeiro estado onde tal ele conseguira. O bilionário novaiorquino conseguiu entre os 54% de votos (Maryland) e os 64% (Rhode Island). Nesta altura das primárias, estes números não são invulgares, sendo até por vezes excedidos, sendo sempre, contudo, de assinalar. Sucede que, este ano, as características sui generis, digamos assim, do candidato que lidera a corrida republicana tem feito com que o eleitorado demore a coalescer no apoio a ele.

 

Do ponto de vista estrito da aritmética, Trump não prejudicou, obviamente, as suas possibilidades de vir a alcançar a maioria dos delegados, mas também não as melhorou significativamente. As suas vitórias nos estados que ontem votaram tinham sido  basicamente tomadas em consideração nos cálculos de Nate Silver do site analítico FiveThirtyEight sobre o número de delegados que ele precisa de ir angariando para atingir essa maioria. Está agora ligeiramente à frente dos números que precisa de ir alcançando, e recuperou dos danos que sofrera em Wisconsin e Colorado.

 

E é aqui que entra o Indiana, que vota no próximo dia 3, e onde estão em disputa 57 delegados, atribuídos na totalidade ao vencedor(es) no estado (30) e nos seus nove círculos eleitorais (3 por círculo, num total de 27). Há duas semanas, tudo indicava que Ted Cruz venceria o estado. As poucas sondagens entretanto realizadas dão uma curta vantagem a Trump, e daí, muito provavelmente, o motivo do recente pacto entre Cruz e John Kasich, dando ao primeiro um caminho mais livre para a vitória. Esta tornou-se agora imperativa para o senador pelo Texas. Para Trump, uma derrota não será necessariamente definitiva, mas dificultará bastante o seu caminho para os 1.237 delegado, podendo inclusivamente indicar dificuldades em estados como o Nebrasca, que votará mais tarde no mês de Maio.

 

Uma incógnita saída das eleições de ontem é o que farão os 54 delegados não-vinculados eleitos na Pensilvânia, estado que tem um modelo de selecção de delegados que difere bastante dos restantes, pois apenas 17 dos seus 71 delegados ficam vinculados (e Trump ganhou-os todos). Estes 54 militantes republicanos poderão vir a ter uma decisiva palavra sobre se haverá ou não maioria de Trump na convenção. 

 

Finalmente, no que respeita aos republicanos, a velha questão da "dinâmica" da campanha (o famoso "momentum"). Trata-se de um naco de sabedoria convencional, basicamente, mas a verdade é que, este ano, tal dinâmica tem sido ilusória: já houve momentos em que Trump parecia imparável, para pouco tempo depois sofrer reveses, dos quais, como nestas duas semanas, viria a recuperar. Não me parece, portanto, que, pelo menos este ano, a dinâmica seja um factor muito importante, dadas as características muito especiais desta disputa republicana. Acresce que, tanto ontem como em Nova Iorque, a afluência republicana foi mais baixa do que tinha sido até aqui, o que poderá muito bem significar que parte do eleitorado anti-Trump, já ciente das inevitáveis vitórias deste, ainda por cima em estados que, na sua maioria, atribuíam os delegados todos ao vencedor, terá ficado em casa. Ora este factor não se aplicará no Indiana, onde a luta promete ser renhida e a afluência deverá retomar níveis anteriores.

 

Quanto aos democratas: Hillary Clinton venceu quatro dos cinco estados (a excepção foi Rhode Island) e prossegue o seu paulatino caminho para a nomeação. Não há qualquer dúvida plausível sobre quem será o candidato do partido simbolizado pelo burro. Isso não impedirá, contudo, o combativo Bernie Sanders de continuar na corrida.

 

 

* Com permissão de R. Dean Taylor

 

 


25
Abr 16
publicado por Alexandre Burmester, às 21:45link do post | comentar

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O Senador Ted Cruz e o Governador John Kasich anunciaram no domingo um acordo que tem o óbvio objectivo de impedir Donald Trump de alcançar a maioria dos delegados à convenção republicana: Kasich não fará mais campanha no Indiana (que vota a 3 de Maio) e Cruz retribuirá na mesma moeda no Novo México e no Oregon (17 de Maio e 7 de Junho, respectivamente).

 

Basicamente, a questão é esta: o Indiana atribui os seus delegados (57) ao vencedor a nível do estado e dos seus círculos eleitorais. Uma derrota aí, impossibilitará praticamente Trump de atingir o número mágico. Houve, até agora, poucas sondagens no "Hoosier State", mas a média das que houve dá uma ligeira vantagem a Trump, ultrapassável nem que apenas metade dos que dizem tencionar votar em Kasich vire o seu voto para Cruz.

 

Este acordo Cruz-Kasich não deixa, contudo, de ser ambíguo, pois o Governador do Ohio já declarou contar na mesma com os seus votos no Indiana, apenas suspendendo a sua campanha naquele estado. No Novo México e no Oregon a atribuição de delegados é proporcional, pelo que aí o impacto da "ausência" de um dos dois candidatos será menor.

 

Para alguns, nomeadamente o campo de Trump, trata-se de uma manobra desesperada; para outros, mormente gente chegada ao movimento #NeverTrump, só peca por tardia.


22
Abr 16
publicado por Alexandre Burmester, às 16:00link do post | comentar

 

 

 

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Por entre a refrega de primárias, "caucuses" e debates (estes já uma coisa distante, embora o Republican National Committee esteja a considerar a organização de mais algum ou alguns) uma outra campanha, a que poderia chamar-se "a campanha silenciosa", vem tendo lugar, discretamente e voando sob os radares. Trata-se da luta pela angariação de delegados, essencialmente perante a ainda forte possibilidade de nenhum candidato (ou seja, Donald Trump) chegar a Cleveland com a maioria deles (o já famoso número de 1.237).

 

No primeiro escrutínio na convenção quase todos os 2.472 delegados têm de votar no candidato a que estão vinculados pelo resultado da primária ou "caucus" do seu estado. Mas, a partir do segundo escrutínio, quase todos eles ficam livres de votarem em quem quiserem (as regras não são uniformes de estado para estado). E é esta a "campanha silenciosa": tentar conquistar delegados para o segundo escrutínio e escrutínios seguintes, se vierem a ter lugar. 

 

Nesta batalha surda pela conquista de delegados, a campanha de Ted Cruz tem sido considerada a mais eficaz, organizada e profissional. Inclusivamente, em estados que não organizam primárias nem "caucuses", mas escolhem os seus delegados através de convenções, Cruz tem tido assinalável sucesso, como no Colorado e no Wyoming (e estes são delegados já garantidos por Cruz para o primeiro escrutínio). Do mesmo modo, em estados ganhos por Trump, como Louisiana e Carolina do Norte, o senador pelo Texas terá já garantido um bom número de delegados para o segundo escrutínio. A verdade é que o delegado típico é um militante de base e activo no partido, o que está longe de corresponder ao perfil do apoiante médio de Trump, ou seja, muitos delegados vinculados a Trump poderão abandoná-lo alegremente a partir do segundo escrutínio.

 

O que atrás ficou dito reforça a necessidade de Trump vencer no primeiro escrutínio para conseguir ser o nomeado. Essa tarefa não é impossível, mesmo se partirmos do princípio de que o magnata novaiorquino não alcançará os 1.237 delegados. É que haverá entre 100 a 200 delegados não-vinculados, mesmo no primeiro escrutínio, e se Trump não ficar muito aquém dos 1.237 antes da convenção, decerto não lhe será impossível convencer um número suficiente desses delegados não-vinculados a votarem nele. É aqui que entra a questão da organização e profissionalismo da campanha, e nesse sentido, Trump contratou recentemente para seu director na convenção e responsável pela angariação de delegados o veterano consultor republicano Paul Manafort, que conta no seu currículo actividades semelhantes ao serviço de Gerald Ford, Ronald Reagan, George H. W. Bush, Bob Dole, George W. Bush e John McCain (já para não falar no ex-presidente da Ucrânia Viktor Yanukovych - Manafort é um sujeito eclético). O palmarés de Manafort é excelente, mas resta saber se não terá chegado tarde de mais à campanha de Trump (no seu peculiar estilo, já declarou que Trump conseguirá 1.400 delegados antes da convenção).

 

Mas nada do que atrás ficou dito garante que Ted Cruz, uma vez conseguido o objectivo de impedir Donald Trump de vencer ao primeiro escrutínio, vença ele ao segundo. É que, muitos dos delegados que com ele têm vindo a comprometer-se, considerarão tal compromisso apenas numa óptica de um frentismo anti-Trump, e se virem que Trump está definitivamente derrotado, poderão também largar Cruz e votar noutro candidato. É nisto que residirá a estratégia de John Kasich, o qual, mais de um mês depois da desistência de Marco Rubio, ainda tem menos delegados que este (ficou, contudo, em segundo lugar - embora distante - em Nova Iorque e poderá conseguir outros segundos lugares nas primárias do Nordeste da próxima semana, embora isso não seja certo). Isto, claro, se a regra que vigorou na convenção de 2012, segundo a qual só poderia ser nomeado um candidato que tivesse vencido oito primárias ou "caucuses", não for incluída nas regras da convenção deste ano. E quem fala em John Kasich, poderá também falar num outro hipotético candidato à nomeação, que surja na convenção perante um impasse na mesma.

 

As primárias republicanas de 2016 podem já estar a saturar uma boa parte do eleitorado, mas os "political junkies" estão a ter um ano em cheio.

 

 


20
Abr 16
publicado por Alexandre Burmester, às 18:37link do post | comentar

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A primária do Estado de Nova Iorque não trouxe propriamente surpresas. Mas a verdade é que, pela primeira vez, Donald Trump conseguiu a maioria dos votos num estado, com uns retumbantes 61% (não é de menosprezar o factor casa) e pelo menos 89 dos 95 delegados em disputa. Este número de delegados está em linha com o que o site analítico FiveThirtyEight calcula seja necessário Trump ir angariando para conseguir uma maioria, ou seja, esta sua vitória não melhorou nem piorou as suas perspectivas do ponto de vista estrito dos números.

 

Na próxima terça-feira, há mais uma série de primárias em estados do Nordeste, onde são previsíveis novos sucessos de Trump: Connecticut, Delaware, Maryland, Pensilvânia e Rhode Island. Estarão em disputa um total de 172 delegados, com o importante pormenor, contudo, de o prémio maior, a Pensilvânia, apenas vincular ao vencedor no estado 17 dos seus 71 delegados, sendo os restantes livres de votarem como entenderem na convenção. É verdade que um bom número dos potenciais delegados deste último estado já disse que votará no vencedor, mas daqui até Cleveland muita água passará debaixo das pontes.

 

Depois da próxima semana, as hostilidades serão retomadas numa primária que promete ser decisiva para as aspirações de Trump: Indiana e seus 57 delegados, a 3 de Maio. Uma vitória de Ted Cruz aqui (os delegados vão inteiramente para o vencedor em cada círculo eleitoral) será um sério e quase definitivo revés para o magnata novaiorquino na sua luta pelo mágico numero de 1.237 delegados. E o Indiana tem algumas semelhanças com o Wisconsin (e o mesmo método de atribuição de delegados), onde Cruz conquistou 36 dos 42 delegados em disputa. Não tem havido sondagens públicas no "Hoosier State", mas aparentemente há sondagens privadas que colocam Trump pouco acima dos 30%. A luta pela nomeação republicana ainda vai dar muito que falar.

 

Hillary Clinton, por seu lado, teve, além de uma vitória folgada (58%-42%) uma firme confirmação da inevitabilidade da sua nomeação. Mais uma vez, Bernie Sanders continuará na corrida, naquilo que é há muito uma luta inglória, mas valorosa.

 

 

Foto: Donald Trump após a sua vitória em Nova Iorque (Reuters/Shannon Stapleton)

 

 


19
Abr 16
publicado por Alexandre Burmester, às 17:49link do post | comentar

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Realiza-se hoje a primária do estado de Nova Iorque, tanto do lado Republicano, como do lado Democrático. Esta primária, juntamente com as que se realizam na próxima semana (Connecticut, Delaware, Maryland, Pensilvânia e Rhode Island) disputa-se em terreno favorável a Donald Trump, que deverá emergir com um bom pecúlio de delegados, embora isso, muito provavelmente, não lhe venha a resolver o problema de chegar à convenção de Cleveland sem a maioria.

 

Em anos normais, por esta altura já está decidido o vencedor de cada partido, mas este ano, dado o facto de nenhum republicano ter conseguido impôr-se e de Bernie Sanders ter tido uma galharda e imprevista campanha, as coisas, do lado republicano, estão longe de estar decididas e, do lado democrático, embora na prática estejam, a campanha continuará até ao fim.

 

Isto faz com que primárias a que normalmente pouca gente prestava atenção, por já nada decidirem, estejam este ano a ser foco de atenções concentradas. Nunca tanta gente esteve a par das peculiaridades e características próprias das primárias de cada estado.

 

Nova Iorque atribui os seus delegados do seguinte modo: três por cada círculo eleitoral da Câmara dos Representantes. O estado tem 27 círculos eleitorais. O vencedor em cada círculo ganha dois delegados, e o segundo classificado ganha um. Contudo, se o vencedor tiver pelo menos 50% dos votos, açambarcará os três delegados. Do mesmo modo, os candidatos que não atinjam 20% dos votos, não terão direito a qualquer delegado. Além disso, são atribuidos proporcionalmente  14 delegados a nível do estado, aplicando-se também aqui a regra dos 50% e dos 20%.

 

O eleitorado republicano está concentrado nas áreas do chamado "Upstate New York", a norte de Nova Iorque, mas cada círculo atribui três delegados indepndentemente do número de republicanos nele registados. Isso significa que, por exemplo, em áreas maciçamente democráticas da cidade de Nova Iorque, como o Bronx, umas centenas de republicanos podem ser fulcrais na decisão local.

 

Donald Trump é o claro favorito republicano. A questão está em saber se atingirá os 50% (a maior parte das sondagens dizem que sim) e quantos cícrculos eleitorais vencerá.

 

 

Do lado democrático, pese embora ser de esperar um razoável desempenho de Bernie Sanders, Hillary Clinton é a clara favorita. Em todas as primárias democráticas vigora o sistema de atribuição proporcional de delegados.


06
Abr 16
publicado por Alexandre Burmester, às 17:30link do post | comentar

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As primárias de ontem no Wisconsin terão, pelo menos num aspecto, sido decisivas: é cada vez mais difícil Donald Trump obter a maioria dos delegados até ao final das primárias republicanas, a 7 de Junho, na Califórnia.

 

Até há cerca de um mês, Trump era o favorito para vencer este estado mas, entretanto, uma série de episódios degradantes para a sua imagem e, a meu ver principalmente, a saída de Marco Rubio da corrida, alteraram as coisas. No final, Ted Cruz obteve uma vitória sólida (48% contra 35% de Trump e 14% de John Kasich) e conquistou 36 dos 42 delegados do estado. 

 

Dado que a obtenção de uma maioria de delegados por Trump será sempre uma tarefa árdua, o facto de aqui ter ficado aquém do até há pouco previsível (o site de análise e estatística fivethirtyeight , por exemplo, chegou a atribuir-lhe 25 delegados) só poderá ter complicado essa tarefa. Acresce a isso a excelente e minuciosa operação no terreno da campanha de Ted Cruz, que vem "trabalhando" os delegados de Trump, com vista a obter o seu apoio a partir do segundo escrutínio da Convenção de Cleveland (e, muitos deles, diga-se, não se farão rogados em desertarem o campo do magnata de Nova Iorque, ao qual só estão ligados no primeiro escrutínio por obrigação regulamentar).

 

A vitória de Ted Cruz não foi apenas significativa pelo momento e pela margem, mas também pelo domínio do senador pelo Texas em várias faixas demográficas onde normalmente não tem ganho. Isto poderá significar uma de duas coisas: ou que o eleitorado republicano anti-Trump está a convergir em Cruz, ou que está a votar tacticamente, podendo noutras corridas tidas como mais propícias a John Kasich mudar o seu voto para o Governador do Ohio. Inclino-me mais para a primeira hipótese.

 

Segue-se, no dia 19, o estado de Nova Iorque, terreno favorável a Donald Trump, mas onde os delegados são atribuídos, grosso modo, proporcionalmente, o que poderá permitir a Cruz e Kasich limitarem os desgastes de uma previsível vitória do novaiorquino.

 

No campo democrático, mais uma vitória - a sétima nas últimas oito eleições - para Bernie Sanders. O seu contínuo bom desempenho já fez também alterar a perspectiva dos seus apoiantes. O director de campanha, Jeff Weaver, declarou hoje que, "super-delegados" à parte, nem Sanders nem Hillary Clinton chegarão a Filadélfia, local da respectiva convenção, com a maioria dos delegados e que "os super-delegados não contam até votarem e só votam quando chegarem à convenção. Portanto, será uma convenção aberta".  

 

Um ano muito especial, portanto, este ano presidencial de 2016.


27
Mar 16
publicado por Alexandre Burmester, às 14:46link do post | comentar | ver comentários (7)

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Na semana passada Bernie Sanders venceu os estados de Idaho e Utah com votações que andaram perto dos 80% (e perdeu o Arizona com 40%); ontem, o senador pelo Vermont conseguiu este impressionante desempenho: Alasca 82%, Havai 70% e Washington (estado) 73%. 

 

No cômputo destas seis eleições, Sanders angariou mais delegados vinculados que a sua adversária Hillary Clinton, mas sem fazer grande mossa na vantagem da antiga Secretária de Estado (a atribuição de delegados pelo estado de Washington não está ainda concluída, contudo, e era aí que ontem se atribuía a esmagadora maioria de delegados). Há também um importante busílis para Sanders: é que, além dos delegados vinculados, o sistema das primárias democráticas nomeia um número não desprezável dos chamados super-delegados, delegados não vinculados, independentemente dos resultados eleitorais, num total que ronda os 700, ou seja, cerca de um terço do total de delegados necessários a uma maioria na convenção do partido. Estes super-delegados representam basicamente a máquina do partido e têm alinhado esmagadoramente com Clinton: até agora, 469 para ela e apenas 29 para Sanders.

 

É certo que, super-delegados à parte, Clinton conseguiu até agora mais votos que Sanders - ela própria recentemente realçou isso, ao dizer, inclusivamente, que, entre os candidatos de ambos os partidos, é ela quem mais votos até agora angariou. Isso é um facto, mas também em 2008 ela conseguiu mais votos que o então Senador Barack Obama, mas este, ao concentrar os seus esforços nos "caucuses" (onde a participação é menor que nas primárias propriamente ditas), ganhou a maioria dos delegados. Sanders tem tido um especialmente bom desempenho precisamente nos "caucuses", e Clinton ganhou a vantagem que tem essencialmente devido ao seu robusto desempenho nos estados do Sul. Quanto ao facto de a antiga Primeira Dama ter até agora mais votos que qualquer republicano, isso é um argumento especioso, dado que, durante bastante tempo, as primárias republicanas foram disputadas por um elevado número de concorrentes, que entre si foram dividindo os votos. E, já agora, números contra números, as primárias republicanas têm tido uma substancialmente maior participação.

 

Ao contrário do que sucede no campo republicano, no qual, a partir de 15 de Março, a maioria das primárias atribui os delegados ao vencedor na sua totalidade (embora com algumas nuances), entre os democratas essa atribuição é sempre proporcional. Isso se, por um lado, permitiu a Sanders não ficar irremediavelmente derrotado com as primárias do Sul, torna também agora uma sua eventual recuperação mais difícil, pese embora o terreno a ele essencialmente favorável daqui até ao final.

 

Uma coisa é certa: uma vez que continua a vencer primárias e a angariar fundos, e dado a característica essencialmente ideológica e militante da sua campanha, Bernie Sanders dificilmente deixará de ir até ao fim, na primária do Distrito de Columbia a 14 de Junho. Um esforço meritório, galhardo, mas basicamente pírrico.

 

 

 

Foto: "caucus" democrático em Seattle, Washington

Elaine Thompson/Associated Press

 


24
Mar 16
publicado por Alexandre Burmester, às 17:50link do post | comentar

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As primárias e "caucuses" do dia 22 quase passaram despercebidas, mas não foram assim tão insignificantes, pelo menos em certos aspectos:

 

- pela primeira vez, um candidato republicano teve mais de 50% dos votos: Ted Cruz no Utah, com 69%, seguido de John Kasich com 17% e Donald Trump com 14%. Ao ultrapassar os 50% neste estado, Cruz angariou a totalidade dos respectivos delegados (40).

 

- no Arizona, estado que atribui todos os delegados (58), na primária republicana, ao vencedor, Trump venceu com 47%, para 25% de Cruz e 10% de Kasich. De notar que, dada a votação antecipada que já ocorrera antes da desistência de Marco Rubio, o senador pela Flórida angariou bastantes votos, os quais, contudo, mesmo que transferidos na íntegra para Ted Cruz (um cenário muito pouco plausível), apenas teriam mitigado a sua derrota. As posições anti-imigração de Trump foram decerto bastante populares entre os republicanos do Arizona, um dos estados mais directamente afectados pela imigração clandestina.

 

- entre os democratas, persiste o bom desempenho de Bernie Sanders, que neste dia conseguiu perto de 80% (!) tanto no Idaho como no Utah e 40% no Arizona, ganho por Hillary Clinton. Sanders arrecadou assim, nestes estados, mais delegados que Clinton.

 

No dia 26 há três "caucuses" democráticos mas, depois disso, teremos de esperar por 5 de Abril para a próxima primária, de ambos os partidos, no Wisconsin, onde a corrida republicana parece estar renhida entre Trump e Cruz.

 

Em termos de delegados, a contagem está assim: 

 

Republicanos: Trump 739, Cruz 465, Rubio 166, Kasich 143

Democratas: Clinton 1.690, Sanders 946


21
Mar 16
publicado por Nuno Gouveia, às 21:35link do post | comentar | ver comentários (4)

As primárias republicanas de 2016 podem terminar com uma "convenção contestada", algo que não sucede desde 1976, quando Gerald Ford chegou à convenção de Kansas City sem os delegados necessários para obter a nomeação na primeira votação. No Partido Democrata, a última vez que tal aconteceu foi em 1980, numa disputa ganha pelo Presidente Jimmy Carter contra o senador Ted Kennedy. Se na era moderna da política americana este fenómeno é muito invulgar, até à introdução generalizada das primárias da década de 70, depois da reforma McGovern-Fraser, era mais comum. As lendárias convenções decididas pelos "party bosses" em "smoke-filled room" eram habituais, com as decisões a serem tomadas à porta fechada*. Para tal acontecer este ano, nenhum candidato pode atingir os 1237 delegados, o que é possível, pois ao contrário de outros anos, Donald Trump vai ter oposição até ao final das primárias. Apesar de me parecer que Trump deverá mesmo chegar muito perto desse número, se não o ultrapassar mesmo, este é um cenário em que vários republicanos do movimento #NeverTrump estão a trabalhar para impedir o milionário nova iorquino de se transformar no líder republicano. Se Trump não conseguir obter os 1237 delegados na primeira votação na Convenção de Cleveland, então os seus delegados vão se libertando da obrigação de votarem nele e tudo pode acontecer. Mesmo nomear um candidato que não tenha tido a votos nestas primárias. Improvável mas não impossível. E é nisso que apostam os seus opositores no Partido Republicano. 

Em 1976, o presidente Gerald Ford chegou à convenção à frente mas sem os 1130 delegados necessários para vencer a nomeação à primeira votação. Ronald Reagan, antigo governador da Califórnia, chega a Kansas City com a aspiração de derrotar o Presidente e anuncia que o seu candidato a vice presidente seria o senador da Pensilvânia, Richard Schweiker, para convencer a ala moderada do partido a apoiá-lo. O problema para Reagan foi que os conservadores não gostaram da sua escolha e muitos deles decidiram apoiar Ford, que ganhou a nomeação com 1187 delegados contra os 1070 de Reagan. Depois de perder a votação, Reagan declarou o apoio a Ford, terminando com a frase "There is no substitute for victory, Mr President". Gerald Ford perdeu para Jimmy Carter e passado quatro anos, na convenção de Detroit, tentou negociar a sua entrada no ticket republicano como Vice Presidente de Reagan. O acordo chegou mesmo a estar quase concluído, mas Reagan à última hora optou por George H. Bush. 

1952 foi um ano em grande para as convenções contestadas. No lado do Partido Republicano, Robert Taft e Dwight Eisenhower defrontaram-se na Convenção de Chicago, não para escolher o nomeado republicano, mas sim para escolher o Presidente. Depois de 20 anos de domínio democrata e com a popularidade do Presidente Harry Truman pelas ruas da amargura, era quase certo que o Partido Republicano iria recuperar a Casa Branca. Foi também um confronto entre os centristas e os conservadores, uma réplica da história da década anterior e posterior no GOP. Thomas Dewey, nomeado republicano em 1944 e 1948, optou por não se candidatar, mas conseguiu convencer o herói da II Guerra Mundial, o general Dwight Eisenhower, a candidatar-se pela ala moderada (curiosamente, também tinha sido "namorado" pelo Partido Democrata). Robert Taft, representante da ala conservadora do partido, tentou pela última vez ser o nomeado contra os moderados. Esta foi uma convenção cheia de truques de ambos os lados, com Einsenhower a ganhar na primeira votação com 845 votos contra 280 de Taft. No entanto, no inicio da Convenção o número de delegados era muito equilibrado, mas as manobras na convenção fizeram pender a vitória para o general. Para equilibrar o ticket, o Einsenhower nomeou um jovem senador da Califórnia, Richard Nixon. Também em Chicago, o Partido Democrata reuniu-se para escolher o sucessor de Harry Truman. E foi a última vez que nenhum partido escolheu o seu candidato à primeira. Nas duas primeiras votações, o senador do Tennessee, Estes Kefauver liderou, sem no entanto chegar à maioria dos delegados. Mas o governador do Illinois, Adlai Stevenson, que nem sequer era candidato no inicio da convenção, cedeu aos esforços de alguns party bosses e avançou para a luta pela nomeação. Apesar de destroçado popularmente, o apoio de Harry Truman viria a ser decisivo para a vitória de Adlai Stevenson na terceira votação. Passado quatro anos, voltaria a ser candidato e derrotado nas presidenciais de 1956. 

Muitas mais histórias de ambos os partidos haveria para contar. A mais conhecida do grande público, até pelo excelente livro de Doris Kearns Goodwin, Team Rivals, foi em 1860 na segunda convenção da história do Partido Republicano, quando o desconhecido Abraham Lincoln derrotou os favoritos William H. Seward, Salmon P. Chase e Edward Bates. A mais longa de todas foi no Partido Democrata em 1924, quando foram necessárias 103 votações para escolher John W. Davis, que derrotou o candidato apoiado pelo Ku Klux Klan William G. McAdoo, que chegou a ter 47% dos delegados na 77ª votação. Com uma furiosa oposição do governador de Nova Iorque, o católico Al Smith, Davis acabou por ser o candidato da reconciliação,

 

* Sobre este tópico aconselho o filme "The Best Man", escrito por Gore Vidal e realizado por Franklin Schaffner com Henry Fonda. 


16
Mar 16
publicado por Alexandre Burmester, às 17:17link do post | comentar | ver comentários (2)

32016-Elections-What-Are-Primaries-and-Caucuses-65

 

Das cinco primárias ontem disputadas (Florida, Ohio, Carolina do Norte, Illinois e Missouri), Donald Trump venceu quatro. Um "score" assinalável é certo, mas:

 

- No Missouri venceu apenas por 0,2% 

- Na Carolina do Norte venceu apenas por 3,4%

 

Nestes dois estados, segundo as sondagens à boca das urnas, Ted Cruz (segundo em ambos), teria sido o vencedor se Marco Rubio tivesse já saído da corrida (fê-lo ontem á noite). No Missouri ainda não está feita totalmente a atribuição de delegados (alguns estados que atribuem todos os delegados ao vencedor fazem-no círculo a círculo, além de atribuirem delegados a nível estadual, o que significa que um candidato derrotado no estado, caso vença num ou mais círculos, angaria também delegados). A Carolina do Norte atribui-os proporcionalmente, pelo que a diferença de delegados entre Trump e Cruz foi de apenas dois (29-27).

 

- No Ohio, estado que atribui todos os delegados ao vencedor, sem consideração por círculos eleitorais, John Kasich, ao vencer, angariou a totalidade dos 66 delegados do estado.

 

Já na Flórida e no Illinois, o êxito do magnata de Nova Iorque foi assinalável em termos de delegados mas, mais uma vez, e muito principalmente no segundo desses estados, beneficiou da divisão entre os seus adversários (votação no Illinois: Trump 39%, Cruz 30%, Kasich 20%, Rubio 9%).

 

A percentagem média de votos de Trump teve ontem uma boa subida (na Flórida, por exemplo, teve 46% dos votos - Kasich conseguiu 47% no Ohio, já agora). A sua média no total de primárias e "caucuses" já disputados está agora nos 37%. Este número explica também por que motivo Trump continua aquém de um número de delegados que lhe permita desde já cantar vitória, embora, depois de ontem, as suas perspectivas tenham melhorado. De facto, conquistou até agora cerca de 47% dos delegados, precisando, portanto, de conquistar 54% dos ainda por atribuir. Daqui para a frente há terreno que se lhe tem revelado desfavorável e terreno onde tem tido bons resultados. Tudo dependerá também do modo como se articular a oposição a Trump, ou seja, dos votos tácticos e da permanência ou não do Governador do Ohio na corrida.

 

Parece, pois, bastante provável, que Trump chegue à convenção republicana em Cleveland com o maior alfobre de delegados, mas continua a ser incerto que lá chegue com a maioria deles, ocorrendo assim a tão falada "brokered convention". O próprio Trump não parece muito seguro de obter a maioria, pois já recentemente disse que o partido deveria nomear quem tivesse mais delegados e ontem advertiu para o perigo de motins em Cleveland, caso não seja ele o nomeado.

 

Entre os democratas, Hillary Clinton venceu as cinco primárias, embora, tal como no campo republicano, o resultado no Missouri tenha sido muito renhido (os mesmos 0,2% de diferença!), e no Illinois tenha ganho por apenas 2%. Mas depois do "susto" do Michigan, conseguiu evitar semelhante desfecho em estados com semelhanças, como os dois que referi. Bernie Sanders está, claramente, cada vez mais numa luta inglória.

 

Termino com a situação actual em termos de delegados, dos dois lados:

 

Republicanos (1.237 dão maioria): Trump 661, Cruz 406, Rubio 169 (campanha suspensa), Kasich 142

Democratas ( 2.382 dão maioria): Clinton 1599, Sanders 844 

 

 

 


13
Mar 16
publicado por Alexandre Burmester, às 16:49link do post | comentar | ver comentários (1)

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Numa altura em que a actualidade anda a ser dominada pelos confrontos em comícios de Donald Trump, ocorreu-me a maior manifestação de violência política na América do pós-guerra, a Convenção Democrática de 1968, em Chicago.

 

Norman Mailer imortalizaria o episódio no seu livro "Miami and the Siege of Chicago" (em Miami tinha tido lugar a Convenção Republicana, que nomeara Richard Nixon como candidato do GOP).

 

https://www.youtube.com/watch?v=1Iye1NQy1NY

 

 


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