Barack Obama proferiu esta terça-feira o seu último discurso do Estado da União. Foi uma intervenção a olhar para o futuro, com várias referências ao passado, defendendo o seu legado e tudo aquilo que alcançou. Obama desde o início da sua carreira política nacional se apresentou como uma figura transfiguradora e ambiciosa, com o óbvio intuito de colocar-se na galeria histórica dos grandes presidentes dos Estados Unidos. Foi muitas vezes acusado de governar para a história e não para os americanos. O discurso de ontem foi precisamente para se colocar ao lado de outros grandes presidentes e, não por acaso, teve direito a referências a Lincoln e Roosevelt. Obama quis demonstrar assim que os seus mandatos mudaram a América. Mas pouca gente acredita que os historiadores terão essa visão tão benigna. Obama teve sucessos e fracassos, mas não mudou decisivamente a América e o mundo. Os oceanos não recuaram, como tinha prometido em 2008. Mas Obama pode ser uma importante figura no Partido Democrata nas próximas décadas e figurar no imaginário democrata como um presidente que defendeu as suas causas e que obteve importantes sucessos progressistas. Um pouco à semelhança do que Ronald Reagan representa hoje em dia para os republicanos.
Este discurso não trouxe grandes novidades e ninguém terá ficado particularmente impressionado com ele. Obama preocupou-se em mostrar que no seu mandato alcançou imensos sucessos, como a recuperação económica, a legislação da saúde, a aposta nas energias renováveis, o alargamento do casamento gay aos 50 estados ou os acordos com o Irão e Cuba. Foi um Presidente optimista que se apresentou perante os americanos, disposto a mostrar que os seus dois mandatos valeram a pena e que é importante não destruir aquilo que alcançou. Por um lado, Obama deixou um aviso aos republicanos que ainda pretende actuar em diversas áreas, como na imigração, na restrição ao uso de armas, no acordo de comércio livre com os países do pacífico, no encerramento de Guantánamo e no levantamento do embargo a Cuba. Dificilmente o Congresso lhe dará alguma vitória nestes pontos, com excepção da autorização formal da guerra contra o ISIS e o acordo de comércio livre. Obama poderá ainda tentar fechar Guantánamo por ordem executiva, mas não terá vida fácil no Congresso dominado pelos republicanos. Por outro lado, a sua principal preocupação foi enfatizar o que considera que foram os sucessos da sua administração e que os americanos não devem colocar em causa esses sucessos, elegendo um republicano em Novembro. Obama sabe bem que é importante que seja um democrata a suceder-lhe na Casa Branca, pois caso seja um republicano, muito do que fez poderá cair, como é o caso da lei da saúde, os acordos internacionais com o Irão e em relação às alterações climáticas ou a sua legislação sobre regulações económicas e comerciais.
Houve, no entanto, uma novidade no seu discurso: Obama assumiu que fracassou na promessa de unir os americanos. Se os Estados Unidos eram um país dividido após os oito anos de George W. Bush, mais ficaram após a era Obama. Um sintoma disso é a popularidade de Donald Trump, que pode ser considerado como uma reposta furiosa da direita mais radical ao divisionismo dos anos Obama. Além disso, também no lado democrata se nota isto, com a ascensão de Bernie Sanders apoiado pelos sectores mais radicais à esquerda. Hoje a América é um país mais dividido e radicalizado, e Obama, apesar de não ser o único, tem também muitas responsabilidades nisso. A tarefa do próximo presidente, seja ele republicano ou democrata, não será fácil de lidar com esta América cada vez mais vermelha e azul.