19
Jan 17
publicado por Nuno Gouveia, às 20:06link do post | comentar | ver comentários (5)

Esta é a pergunta que tem dominado quase as conversas sobre a próxima administração americana, persistindo o pessimismo e o desânimo. E se a campanha americana tinha deixado a comunidade internacional alarmada com Donald Trump, as semanas que passaram após a sua histórica vitória de Novembro contribuíram para aumentar esse negativismo. A sua postura continua errática e imprevisível, tecendo declarações que revelam perigosos sinais, sobretudo para os aliados de sempre dos Estados Unidos, sejam eles da Europa, da Ásia ou das Américas.

 

Não acrescentarei muito se disser que as relações com os seus aliados da Nato preocupam todas as chancelarias europeias, sobretudo os países de leste que se sentem ameaçados pelo urso Russo, os vizinhos México e Canadá, que estão em estado de alerta sobretudo devido às críticas ao Nafta e a insuportável insistência que o México irá pagar o muro, ou ainda a ameaça de guerra comercial à China que não interessa a ninguém, sobretudo aos seus vizinhos asiáticos. Para nós europeus, sobretudo aqueles que acreditam na estabilidade de instituições como a NATO e a União Europeia, que valorizam um possível acordo de comércio livre com os Estados Unidos ou que estão assustados com a ascensão do nacionalismo e do populismo na Europa, é sobretudo preocupante verificar que um líder dos Estados Unidos elogia abertamente movimentos populistas como o de Nigel Farage ou Marine Le Pen, que ameaça a indústria europeia com novas barreiras alfandegárias e que ataca a União Europeia, dizendo até que mais países deverão abandonar a UE.

 

Mas prefiro centrar este artigo nas barreiras que Trump terá para impor a agenda que tem apregoado. Não sei se será possível ter sequer algum tipo de optimismo. Muito provavelmente tudo correrá mal e Trump continuará a actuar como Presidente com este estilo bombástico e de desprezo pelos valores e pelos ideais que os Estados Unidos sempre representaram no Mundo. Nas últimas semanas, alguns nomeados de Trump e que terão fortes responsabilidades na condução da política externa norte-americana, teceram declarações que representam alguns bons sinais, entrando em contradição frontal com Trump.

 

Esta semana Nikki Haley, nomeada para Embaixadora dos Estados Unidos na ONU, disse que a Rússia não é confiável, condenou a invasão da Crimeia, criticou a intervenção russa na Síria e discordou do levantamento das sanções a este país enquanto não oferecer nada em troca. E, ao mesmo tempo que condenou a posição de Obama em relação à condenação de Israel na ONU no mês passado (tal como aliás o Partido Republicano e muitos senadores Democratas), defendeu a solução de dois estados para Israel e Palestina.

 

Mais surpreendente foram as declarações de Rex Tillerson na audição no Senado para Secretário de Estado e que terá, inclusive, suscitado algum desânimo em Moscovo. O antigo CEO da Exxon Mobil, considerado próximo da Rússia, afirmou que esta representa um perigo, que invadiu a Crimeia é ilegal, que apoiou as forças sírias que de forma brutal violaram as leis da guerra e acrescentou ainda que os aliados da NATO estão certos ao terem receio da Rússia. E acrescentou ainda que é necessário promover uma reconciliação com a Turquia, que devido à ausência de uma verdadeira liderança americana, aproximou-se da Rússia. Tillerson pronunciou-se ainda sobre os ataques cibernéticos russos, ao afirmar que são preocupantes, ao mesmo tempo que propôs medidas para apoiar a Ucrânia, nomeadamente através da cedência de armas. Mas Tillerson disse ainda outras coisas, como não se opor ao Acordo de Comércio Livre com a Ásia-Pacífico (TPP) e apoiar genericamente acordos de comércio livre. Não é certo que Tillerson seja aprovado no senado, até porque vários republicanos têm várias reservas à sua nomeação, como Marco Rubio, John McCain e Lindsay Graham. Mas desde que foi conhecido que é apoiado por figuras como Condoleezza Rice do Robert Gates, as suas hipóteses aumentaram e talvez estes apoios também signifiquem que não vá ser um simples yes man da absurda retórica de Trump.

 

James Mathis, que foi esta quarta-feira confirmado como novo Secretário da Defesa no senado (26 votos a favor, 1 contra), também entrou em contradição com as ideias de Trump, dizendo mesmo que a Rússia e o ISIS são as grandes ameaças externas aos Estados Unidos, surpreendendo ao ponto de afirmar que são os russos a principal ameaça. O general Mathis, que trabalhou na NATO, defendeu também a importância da aliança atlântica e acusou a Rússia de pretender “destruir a aliança militar de maior sucesso da história”, reforçando a ideia que é fundamental a defesa dos países bálticos e travar a ameaça russa. No mesmo dia, Mathis foi secundado em muitas destas opiniões por Mike Pompeo, novo director da CIA.

 

É evidente que muitas destas declarações não podem ser desligadas do local onde foram feitas: no Senado, onde precisavam de convencer os senadores a aprovarem a sua nomeação. Seja verdade (no caso de Nikki Haley, Mike Pompeo e James Mathis é, pois sempre defenderam isso) ou mentira (ninguém conhecia o pensamento de Rex Tillerson sobre estas matérias), estes nomeados tiveram a necessidade de enfatizar estas posições no Senado precisamente porque são as opiniões da maioria dos senadores, sejam republicanos ou democratas. E isso revela a dificuldade que Trump terá em impor a sua agenda disruptiva na política externa norte-americana: grande parte dos eleitos a nível federal nos EUA discordam veementemente das ideias de Trump e o establishment dos dois partidos também. Sabemos que isso não impediu Trump de vencer as eleições, e apesar do que defendem os escolhidos para o Pentágono, Langley, ONU ou Departamento de Estado, terão eles capacidade de influenciar decisivamente Trump? Provavelmente a resposta é não e a política externa dependerá quase exclusivamente dos interesses e dos desejos do novo presidente. Mas se ninguém conseguir influenciar positivamente a agenda da Administração Trump, então provavelmente teremos razões para estar muito preocupados com os próximos quatro anos.


12
Jan 17
publicado por Nuno Gouveia, às 00:46link do post | comentar | ver comentários (1)

 

“If Putin likes Donald Trump, I consider that an asset, not a liability.”

 

Ter um Presidente a falar dele próprio na terceira pessoa é mais uma novidade. Mas esta frase revela muito do que a presidência Trump pode representar para os Estados Unidos e para o Mundo. Se Trump acredita que Putin gosta mesmo dele e que por isso vai deixar de defender os interesses da Rússia (e tantas vezes antagónicos dos Estados Unidos e dos seus aliados), é um perigoso ingénuo. Se diz estas coisas sem pensar nelas apenas para enganar as pessoas, então é um perigoso pateta alegre. 

Não sou daqueles que considera que Obama teve um mandato excepcional. Bem pelo contrário, penso que na frente externa, e isso é o que mais relevo, Obama fracassou e deixou um mundo é bem mais perigoso daquele que encontrou em 2008. O “Lead from behind” foi um fiasco na Líbia e no Médio Oriente e o “reset button” com a Rússia permitiu a Putin fazer o que bem entendeu na Ucrânia e na Síria. Mas Obama não criou nenhuma disrupção na política externa americana das últimas décadas e desempenhou um papel importante para os seus aliados. Manteve a democracia americana como um exemplo e promoveu os valores da liberdade e da democracia. Mas Trump ameaça este legado. A conferência de imprensa dele de ontem deixou sérios avisos (como em toda a campanha) que a democracia americana vai ter lutar muito para manter a sua vitalidade.

Nesta sua primeira conferência de imprensa depois de ter sido eleito, e após semanas a criticar os serviços de inteligência (não me recordo de ver um presidente criticar e enfraquecer desta forma os serviços de espionagem) sobre os hackers russos, Trump hoje lá admitiu que provavelmente tinham sido os russos. Mas é inacreditável que ele próprio, que já tinha tido acesso às provas que a CIA lhe tinha mostrado, mesmo assim tenha continuado a negar esta evidência. Até hoje. Poderá cumprir eficazmente a sua função de Presidente quando não confia nos serviços de inteligência e que estes próprios desconfiam do Presidente? Será que Trump vai confiar nas informações dos “nazis” da CIA?

Trump continuou nesta conferência de imprensa a alimentar a fábula que o México vai pagar a construção muro da fronteira, mas que não vai esperar que eles o assumam, e que apenas irão reembolsar os Estados Unidos à posterior. Devia ouvir ou ler o que diz o antigo Presidente mexicano Vicent Fox sobre esta matéria. Aprenderia alguma coisa.

Como candidato a déspota, atacou a CNN e ameaçou colocar um jornalista fora da sala. Para perceber esta polémica, a CNN publicou uma noticia sobre relatórios dos serviços de inteligência sobre a sua relação com a Rússia de Putin, mas ao contrário do site Buzzfeed, a CNN não publicou informações não confirmadas. Mas se Trump não responde a meios de comunicação social que publicam noticias desagradáveis, provavelmente acabará o mandato a falar apenas para a Fox News, Drudge e Breitbart. Muito mau sinal para a liberdade de imprensa.

Destaque também para a política económica de Trump, que parece ser uma espécie de mistura entre populismo e socialismo económico e que devia envergonhar o Partido Republicano. A imposição de taxas aduaneiras às empresas que produzem fora dos Estados Unidos, aliada ao proteccionismo económico e oposição aos acordos de comércio livre, como a NAFTA e o TPP (que por acaso hoje teve um defensor em Rex Tillerson), permite-nos esperar uma política económica perigosa para os Estados Unidos, mas também para o Mundo. A frase “vou ser o maior criador de empregos que Deus alguma vez criou” poderia ter sido dito por um qualquer líder soviético, mas não, foi Donald Trump, líder do Partido Republicano de Reagan, que defendia que são “as pessoas e não o governo produz crescimento económico e emprego”.

Trump é algo de novo na política norte-americana. Tem-no sido desde o anúncio da sua candidatura presidencial, que tantos ignoraram e desvalorizaram (eu fui um deles). Tem baixado o nível do debate político e poderá ser um perigo para a democracia americana. Nos próximos quatro anos veremos se surprende pela positiva ou corresponde às baixas expectativas.

 

PS: a nove dias da tomada de posse de Trump, começo uma série de textos sobre a sua presidência.


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