William F. Buckley estaria horrorizado a assistir a esta campanha republicana. O intelectual que ajudou a "limpar" o movimento conservador americano da extrema-direita, colocando movimentos como a John Birch Society fora do âmbito de influência do Partido Republicano, ficaria, certamente, decepcionado. Não digo que Donald Trump vá ganhar. Continuo a acreditar que até nem deve ganhar uma só eleição. Mas temos assistido a coisas impensáveis ainda há poucos anos.
Quem acompanha a política norte-americana, e principalmente as primárias, saberá que normalmente aparecem candidatos "extremistas" que por vezes até surgem à frente nas sondagens. Mas, mal começam a ser conhecidos, ou a dizer barbaridades, desaparecem. Em 2012 tivemos o caso de Michelle Bachmann, por exemplo. Mas não este ano. Trump tem proferido mil e uma declarações que o desqualificam como candidato a Presidente dos Estados Unidos. Ideias racistas, misóginas ou simplesmente patetas, que derrubariam qualquer outro candidato. Se é verdade que há um grande descontentamento entre a base republicana com os líderes do partido, não é menos verdade que Trump é um demagogo que nem sequer representa o conservadorismo que essa base desafecta apregoa.
Por outro lado, o verdadeiro perigo de Trump é que as suas ideias têm trazido para o mainstream político aquelas correntes que Buckley afastou do GOP. Movimentos ligados aos White Supremacists têm elogiado abertamente Trump e o próprio foi entrevistado por Alex Jones, um conspiracionista muito popular entre os meios extremistas. Ontem, num comício, um apoiante gritou "sieg heil" e vários manifestantes têm sido agredidos por apoiantes de Trump, a lembrar tempos de má memória. Trump usa a retórica do ódio e do medo, assemelhando-se a um qualquer político da extrema-direita clássica. Um candidato que quer expulsar 12 milhões de ilegais, que diz que vai construir um muro em toda a fronteira com o México (e que vai colocar este a pagar) e que quer barrar a entrada nos Estados Unidos de todos os muçulmanos, incluindo cidadãos americanos que se tenham ausentado do país, não deveria ser levado a sério. Mas os seus 30% nas sondagens nacionais (que não são muito relevantes nesta fase), a sua liderança confortável no New Hamsphire e o empate com Ted Cruz no Iowa, indiciam o contrário. Neste momento, uma fatia considerável do eleitorado republicano a pensar em votar nele. E isso é uma desgraça.
A campanha mais parecida que há memória foi a do candidato segregacionista, o democrata George Wallace, que em 1968 se candidatou como independente, vencendo em cinco estados do Sul. Mesmo que campanha termine como é mais expectável (ou seja, com uma corrida entre Ted Cruz e Marco Rubio ou até Chris Christie, que parece renascer no New Hampshire), o Partido Republicano vai precisar de atacar as razões que permitiram a Trump granjear de algum apoio depois das barbaridades que tem dito. Caso contrário, um dia cairão mesmo nas mãos de um demagogo de extrema-direita.
(Post escrito antes do debate desta noite)